Houve um tempo em que os treinadores eram tudo num clube. Preparavam o treino, davam o treino, tratavam da preparação física, analisavam adversários e jogadores, eram diretores desportivos. E é interessante pensar nisto agora porque atualmente aqueles treinadores que trabalham a um nível médio/alto já quase não fazem nada disso. E a tendência é que façam menos ainda. Cada vez mais, os treinadores delegam tarefas relacionadas com o jogo para se centrarem noutras igualmente importantes, mas que pouco ou nada têm a ver com aspetos táticos, técnicos ou estratégicos. Hoje, até há treinadores especializados em lançamentos de linha lateral! O caminho, porque o contexto também assim o exige, parece traçado e levanta dúvidas sobre o tipo de treinador-líder necessário para responder às exigências que o esperam, principalmente na alta competição.
Claro, saber de futebol continuará a ser importante. Ter uma ideia de jogo que o defina nunca será (não deve ser, pelo menos) um fator menor. Mas e se os treinadores (de alto nível) não tiverem que saber assim tanto de futebol para lá chegarem e, principalmente, para lá se manterem? E se escolher quem comanda uma equipa for decidido por causa das aptidões relacionadas com liderança, relações pessoais, pedagogia ou gestão de recursos humanos, em vez do conhecimento futebolístico? E se o treinador do futuro vier de áreas como a psicologia, a gestão, o coaching, ou o ensino? Parece utópico, e é quase desconcertante pensar nisso, mas a evolução recente leva a pensar que, talvez, saber de futebol não será a qualidade mais determinante para decidir o próximo treinador.
Vejamos. O treinador de futebol já foi muito mais treinador (no verdadeiro sentido do termo, o homem que treina) do que é hoje. E há razões a sustentar essa verdade, que é quase uma obrigatoriedade. Nunca como agora houve tantos jogos, o que significa também que há menos treinos. E se há menos treinos é preciso rentabilizá-los ao máximo. E se é preciso torná-los cada vez mais produtivos, então é normal que estejam a cargo de várias pessoas. Logo, mais treinadores, de diversas especialidades, são precisos no processo. Mas há mais. Nunca como agora o conhecimento esteve à disposição de tanta gente, logo fazer a diferença por aí é mais difícil. Nunca como agora o futebol foi tão estudado e tão escrutinado e analisado, logo os fatores emocionais ganham relevância. O próprio contexto social exige muito mais dos treinadores do que saber de futebol, do treino ou de táticas. Por tudo isto, é quase obrigatório que eles sejam peritos no que diz respeito a relações humanas. Potenciar a evolução pessoal de cada jogador e a evolução do grupo é essencial.
Até nos jogos a influência dos treinadores principais tem-se vindo a dissipar de tal maneira que, quase sempre, são outros a transmitir ao treinador/líder aquilo que está a acontecer e o que é preciso fazer. Hoje, qualquer clube de dimensão média (quanto mais os grandes) tem gente na bancada, a ver o jogo de outra perspetiva e a ter acesso, em tempo real, a dados que lhes permite de imediato dizer a quem está no banco o que está a acontecer e o que é preciso mudar. Os treinadores, agora, são muitos. A quem está no banco, pelo contrário, é pedido que saiba comunicar, liderar e fazer a diferença através da maneira como se expressa, até pela linguagem corporal. Quem está no banco (o tal treinador) deve ter competências que lhe permita dizer a coisa certa, no momento indicado e de maneira a ajudar o futebolista. Nada, lá está, que tenha a ver com o futebol propriamente dito.
O futebol está tão diferente que está cada vez mais aberto a profissionais de áreas que até há pouco tempo seriam vistas como incompatíveis com a atividade e o jogo. Já há matemáticos e engenheiros a contribuir para a contratação de jogadores, por exemplo. Ora, se o futebol está a mudar, tal como a sociedade, também o treinador precisa de mudar, evoluir, alargar os horizontes, ter outros conhecimentos e mais atributos que façam a diferença. Seja qual for o treinador do futuro, há algo que parece evidente: formar treinadores é formar líderes e por isso a formação de treinadores deve transpor, cada vez mais, as fronteiras futebolísticas e debruçar-se sobre muitas outras especialidades que são cada vez mais importantes para haver bom rendimento e conduzir jogadores e clubes ao sucesso.
IDEIAS-CHAVE
- Os líderes delegam cada vez mais tarefas relacionadas com o jogo e o treino
- Competências relacionadas com liderança, psicologia, pedagogia e relações humanas ganham importância
- Os treinadores, agora, estão na bancada, a ver o jogo de outra perspetiva e com acesso, em tempo real, a dados para saber o que está bem ou mal
- A quem está no banco é exigido que faça a diferença através da maneira como se expressa
- A formação de treinadores deve transpor, cada vez mais, as fronteiras futebolísticas e debruçar-se sobre muitas outras especialidades
- O contexto social também obriga os líderes a disporem de outros atributos para fazerem a diferença
- Contribuir para o desenvolvimento pessoal de cada jogador ganha relevância