Crescer para além dos resultados

20 de Fevereiro, 2020 - 4 mins de leitura

Reduzir a ideia de jogo a ganhar, a pensar no resultado acima de tudo e como princípio e fim de qualquer coisa já faz pouco sentido no futebol atual e será ainda mais incompatível com o futebol do futuro. Num mundo, o futebolístico, onde as receitas assumem papel preponderante para poder pensar-se a médio/longo prazo, isto é, em crescimento e objetivos mais ambiciosos, os clubes estão quase obrigados a encontrar formas de se valorizarem para além do resultado e a não deixar que fatores que não controlam influam, decisivamente, na evolução, na saúde financeira e na sustentabilidade de um projeto. Neste sentido, aquilo que se apresenta em campo tem que ser parte fundamental dessa estratégia: é lá onde estão as principais fontes de receita.

Como potenciar os ativos? E que tipo de ativos? Como atrair outros? Como promover a marca e levá-la a mais mercados? Como conseguir atenção mediática e lucrar com isso, financeiramente e não só? Como despertar interesse em pessoas que não tenham ligação ao clube? Estas, entre outras, são perguntas que já não podem ser ignoradas na altura de idealizar, construir e desenvolver um projeto num clube de futebol. É certo que os (bons) resultados ajudam, mas é preciso ter em conta que esses também dependem de fatores alheios, pelo que reduzir ao máximo essa dependência resultadista é estar à frente da concorrência e mais perto de se concretizar as metas desportivas, financeiras e empresariais estabelecidas para o crescimento natural e previsto do projeto.

Política desportiva e ideias de jogo são, portanto, pontos essenciais nessa estratégia cujo principal objetivo é fazer o clube desenvolver-se e tornar-se sempre melhor, a todos os níveis. Ter claro e publicitar como e porquê se vai por determinado caminho e não por outro; definir sem dúvidas e tornar público por que se prefere jogar de determinada maneira ou por que se aposta num perfil específico de jogador e de treinador, etc. Isto é o primeiro passo de qualquer plano. É o ponto de partida, que depois deve ser confirmado por atos, decisões e escolhas. Porque mais do que as palavras são as ações que definem o (in)sucesso de um projeto e o que se vê no campo é que é decisivo para a tal valorização que se quer, que o negócio futebolístico exige e que o clube precisa para crescer.

A ideia de jogo é fundamental neste processo e ela também deve ser estabelecida na sequência de respostas a várias perguntas. Que tipo de jogo desperta mais interesse? Que tipo de jogo atrai mais atenção e adeptos entre os que não estão ligados ao clube? Que tipo de jogo potencia os jogadores e os treinadores para patamares mais altos, logo mais rentáveis? Que tipo de jogo prepara melhor os jogadores e os treinadores para contextos mais exigentes e, por isso, os torna mais apetecíveis para clubes maiores, mais poderosos e com mais dinheiro? Nenhum projeto evolui e apresenta potencial de crescimento, a médio e a longo-prazo, se não for capaz de conseguir mais-valias financeiras importantes e isso é mais provável com um estilo de jogo que potencie o futebolista num enquadramento mais ofensivo do que defensivo, que lhe acrescente argumentos que o tornem capaz de jogar a um nível mais alto e que o habilitem para equipas mais fortes.

Por outro lado, quer a política desportiva (apostar na formação ou em jovens, por exemplo) quer a ideia de jogo não se fecham na perspetiva vendedora. Pelo contrário, deve ser muito mais abrangente. Também devem ser estabelecidas tendo em vista o recrutamento no futuro. Porque se o projeto for atrativo, se apresentar credibilidade e a tal perspetiva de crescimento e de salto na carreira, isso também será determinante na hora de contratar outros jogadores e treinadores que substituirão os que saem. Se sentirem que se vão valorizar, que vão evoluir, tornar-se melhores e mais preparados para contextos mais altos e exigentes, mais recetivos estarão em escolher esse clube. O dinheiro é importante, mas há outros aspetos que, cada vez mais, devem e são levados em conta na hora de decidir o rumo na carreira.

Tudo isto, é óbvio, deve ser pensado, preparado e operacionalizado por quem manda, por quem dirige, por quem toma decisões de fundo e por quem tem a obrigação de pensar para além do curto-prazo.

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Num futebol cada vez mais mercantilizado, com os clubes ainda muito fechados neles mesmos, o jogo deve ser visto como a grande oportunidade de negócio e ainda há muitos clubes a negligenciar esse aspeto. É nesses 90 minutos que os ativos se mostram, que o projeto ganha credibilidade, que quem está de fora se interessa pelo que vê, que a evolução é notada, que a ambição fica patente, que o processo desperta curiosidade e ganha força para se destacar. Cada jogo é uma oportunidade para um clube se promover, para atrair atenção mediática, para colocar ativos no mercado e despertar interesse noutros que possam chegar. É o jogo que chega a mais gente, que é mais analisado, mais debatido, mais promovido. É o jogo que é ponto de partida para se chegar muito mais fundo na análise e na credibilidade de um projeto desportivo. Nada tem mais impacto do que esses 90 minutos. É aí que tudo ganha sentido. É aí que se define se os projetos, se existirem, têm potencial ou não e se podem crescer ou vão estagnar.

IDEIAS-CHAVE

  • Os clubes devem procurar maneiras de se rentabilizarem para além dos resultados
  • A política desportiva e a forma de jogar são decisivas para atrair e valorizar jogadores e treinadores
  • Nenhum projeto evolui e apresenta potencial de crescimento, a médio e a longo-prazo, se não for capaz de conseguir mais-valias financeiras importantes
  • O que se apresenta em campo é o que chega a mais gente, logo é o que tem mais impacto
  • Cada jogo é uma oportunidade para um clube se promover, para atrair atenção mediática e para colocar ativos no mercado
  • São as ações que definem o (in)sucesso de um projeto e o que se vê no campo é que é decisivo para a tal valorização que se quer
  • Os clubes devem reduzir ao máximo a possibilidade de que fatores que não controlam influam, decisivamente, na evolução, na saúde financeira e na sustentabilidade de um projeto.

Vasco Samouco