Resisto sempre à frase feita do futebol que diz que “o jogo é dos jogadores”. E estou cada vez mais convencido do contrário. Sim, são os jogadores que jogam e por isso são eles a parte mais importante do jogo, mas o que eles jogam e como jogam não é só deles. Também é dos treinadores, do contexto em que estão inseridos, das pessoas com quem trabalham, do ambiente e da cultura do clube, das ideias, dos valores. Não é por acaso, aliás, que os clubes estejam a investir cada vez mais em pessoas e em áreas capazes de terem impacto no que se passa no campo. E têm.
Com algumas exceções, também não são os jogadores que mudam os clubes. A figura mais importante dos últimos 50 anos do Manchester United é Alex Ferguson; foi Klopp que mudou o Dortmund e o Liverpool; a influência de Johan Cruyff, o treinador, ainda hoje é notada no Ajax e no Barcelona; Ralf Rangnick transformou o projeto Red Bull, depois de ter feito o mesmo no Hoffenheim; neste milénio, é difícil encontrar alguém que tenha tido tanto impacto no Mónaco e no Lille como Luís Campos. Isto, só para dar alguns exemplos mais mediáticos.
Os jogadores garantem sucesso imediato e a curto-prazo, mas não são eles que têm impacto no que será o clube a médio e a longo-prazo. Ainda por cima, quando o mercado é cada vez mais aberto e menos restritivo, o que faz com que eles permaneçam pouco tempo no mesmo clube, principalmente nos clubes mais pequenos e com menos argumentos para segurarem os que se vão evidenciando. Portanto, ter o novo Messi seria excelente, mas para 99% dos clubes o mais provável é que ele saísse ao fim de uns meses. Então, será assim tão decisivo procurá-lo?
Mais importante do que construir equipas para ganhar, é construir clubes para ganhar. As boas equipas ganham numa época ou duas, os bons clubes têm sucesso durante 10, 15 ou 20 anos. E tal só é possível quando se tem pessoas que se mantêm na organização (gestores, executivos, médicos, treinadores, etc) durante muito tempo – permitindo, desse modo, criar e melhorar relações, fomentar comportamentos e formas de estar e de pensar que acabarão por definir a identidade do clube – e quando se pensa e projeta para lá do imediato e do curto-prazo, algo que os jogadores não garantem. Definir caminhos, estabelecer valores inegociáveis, tomar decisões sustentadas na razão e no plano estabelecido, é o que caracteriza os melhores clubes.
Esta semana, perguntaram-me se eu “preferia ter um jogador como Messi/Cristiano Ronaldo durante 10 anos ou um visionário como Johan Cruyff/Ralf Rangnick durante cinco anos”. A pergunta mais certeira, no entanto, é: o que devem preferir os clubes? Para mim, é mais importante e diferenciador conseguir ter um Cruyff do que ter um Messi. Messi é o maior jogador da história do Barcelona, mas, se calhar, só foi Messi porque antes houve um Cruyff.
Com Messi e Ronaldo, se calhar vamos ganhar mais vezes do que perder durante os tais dez anos, mas – como o Barcelona e a Juventus estão a fazer questão de mostrar – ao longo desse tempo, e porque as vitórias têm essa particularidade, os clubes vão-se acomodando e alimentando uma sensação de confiança enganadora. Por tê-los nas equipas, é fácil pensar que isso basta para ganhar, negligenciando muitos outros fatores decisivos, os tais que são garantidos por dirigentes e treinadores competentes.
A influência de alguém como Johan Cruyff é muito mais transformadora, construtiva, poderosa e resistente. Um Cruyff muda clubes, equipas, culturas, pessoas, treinadores e jogadores; cria valor e valores que se mantêm mesmo depois de saírem. Pelo contrário, Messi e Ronaldo podem garantir troféus e títulos enquanto jogam, mas quando saem deixam pouco ou nada que seja vantajoso para o futuro dos clubes. Até pode acontecer que, involuntariamente, os deixem pior, devido à tal incapacidade de quem gere e tem a responsabilidade de tornar os clubes cada vez mais fortes, relativizando os resultados e as conquistas..
No futebol do futuro, será ainda mais normal ter plantéis sem estabilidade (nos escalões inferiores, com os contratos de um ano, já o é), com os jogadores a trocarem de camisola mais vezes e a jogarem pouco tempo com a mesma. E isso só tornará mais importante ainda que os clubes estejam bem preparados e bem apetrechados fora do campo, construindo e mantendo a estabilidade nessas áreas, para depois minimizar a instabilidade nos plantéis e nos resultados. No fundo, procurar mais Cruyffs e menos Messis.