Desde agosto de 2022, apenas escrevi um texto (ensaio) para o site. É pouco, muito pouco, para alguém que se propôs a fazer desta plataforma um local de reflexão, de partilha e de questionamento para repensar o futebol, dentro e fora do campo. Daí, esta obrigatoriedade de me justificar. Este vazio produtivo não aconteceu porque o futebol deixou de me interessar ou porque deixei de pensar e refletir sobre o mesmo ou porque deixei de ter ideias e perguntas para o (tentar) melhorar. O que se passou, acima de tudo, foram duas coisas: Os meus interesses diversificaram-se, passei a ler, ouvir e a ver muito mais sobre outros temas e comecei a dar mais importância a esses. A minha curiosidade por outras áreas sempre existiu (penso que isso esteve sempre bem presente nos textos anteriores), mas agora alguns desses assuntos são urgentes, logo mais importantes de refletir, debater e resolver.
A outra razão é que o futebol em si está cada vez menos interessante e entusiasmante, sob todos os pontos de vista. O futebol tem muitos problemas — cada vez mais — e não só não parece interessado em resolvê-los, como, pelo contrário, aparenta estar interessado em perpetuá-los. Desinteressante, o futebol tornou-se ainda insensível, desumanizado, incapaz de ver mais além do ganhar e do perder, dos milhões, dos números, das receitas, do lucro, do poder, da gritaria, do consumo desenfreado, da exploração de recursos e de pessoas; na maioria casos, é um meio para atingir fins condenáveis, quando não repugnantes (também se usam meios lamentáveis para se atingirem fins), em vez de ser um meio transformador para melhor — embora estas exceções também existam — e para, de alguma maneira, mostrar alguma consideração por todos os que o alimentam. Está no seu direito, claro, tal como eu estou no meu direito de não me rever nessa forma de estar e de pensar e de não querer fazer parte disso ou, pelo menos, o mínimo possível.
Acho que somos pouco exigentes com o futebol. Se lhe damos o nosso tempo, o nosso interesse, a nossa atenção e o nosso dinheiro, não teremos o direito de lhe pedir (exigir) algo em troca? A dura verdade, contudo, é que o futebol não faz nada para melhorar a vida daqueles que lhe dão tanto — ganhar um jogo ao domingo é manifestamente pouco. E não me refiro a dar diretamente, pagando, mas a atitudes, gestos, comportamentos e a iniciativas que procurem contribuir para um mundo melhor, mais justo, mais sustentável, mais saudável. Hoje, até ver futebol, no estádio ou pela televisão, é um luxo a que muitos não podem. Nem isso o futebol nos dá.
O futebol teima em manter a cabeça baixa, a olhar para o próprio umbigo. É normal, está inserido numa sociedade em que (quase) tudo e todos fazem o mesmo. Acredito, por isso, que ele só melhorará se a sociedade melhorar, daí que das duas, uma: ou as duas coisas estão ligadas (isto é, usar o futebol para melhorar a sociedade) ou o essencial, para mim, é pensar e refletir primeiro sobre a sociedade, o sistema que nos impingem e em que tentamos viver, e só depois chegar ao futebol. É a isso que me tenho dedicado mais ultimamente.
Continuo a tirar notas, a ler e a estar ao corrente do que se vai fazendo (mal ou bem). A newsletter “Líbero Aberto” mantém-se precisamente por essa razão, para me obrigar, neste período de menor fulgor e interesse, a não desligar totalmente. Não é isso que quero porque continuo a acreditar, apesar de tudo, que o futebol pode ser muito mais do que aquilo a que o condenaram e reduziram. Talvez não exista atividade tão poderosa como o futebol capaz de ter um papel decisivo no combate aos grandes desafios que enfrentamos enquanto sociedade, no entanto ele continua a manter-se à margem, numa posição neutra, de indiferença; no pior, o futebol até contribui para agravá-los, irresponsavelmente. Não tem que ser assim, não devia ser assim.
Tenho textos em mente que ainda serão escritos, se calhar mais cedo do que eu imagino, tenho mais ideias para comunicar, mais perguntas para fazer, mais conversas para ter. Se o futebol precisa de mudar, então precisa de pessoas que o queiram mudar. Continuaremos na luta.