Entrevista #18: João Nuno Fonseca | Treino, tecnologia, informação, gerir erros e frustrações, lidar com o jogador

11 de Novembro, 2022 - 4 mins de leitura

Aos 33 anos, João Nuno Fonseca já trabalhou na formação da Académica, esteve na Aspire Academy no Catar, foi analista para o Grupo City, que detém vários clubes, entre eles o Manchester City, foi treinador adjunto no Nantes (França) e na equipa de sub-23 do Benfica e na época passada exerceu as mesmas funções no Stade Reims, da liga francesa. Passou por contextos de formação e de alto-rendimento, exerceu cargos variados, auxiliou treinadores como Miguel Cardoso, Óscar Cano e Óscar Garcia, lidou com diferentes culturas e ajustou-se a formas de pensar e de trabalhar diferentes.

O treino e a respetiva evolução e complexidade, o impacto tecnológico, a necessidade de se construírem relações saudáveis com o erro e a importância de saber gerir frustrações, como tratar e lidar com o excesso de informação e saber o que transmitir e como, as desvantagens e os perigos das análises exaustivas, os clubes que “não sabem o que querem ser”, e o “ego inacreditável” dos jovens estão entre os temas abordados ao longo da conversa.

A entrevista completa está disponível no YouTube e também pode ser ouvida através do podcast ‘Efeito BorboletRa’

Eis algumas passagens da conversa:

-> “Nos últimos anos tenho-me questionado bastante sobre o conhecimento que os jogadores têm dos exercícios que apresentamos. Uma coisa é o treinador perceber o exercício, a forma como o concebe; outra coisa é a forma como passamos a informação e até que ponto ela chega realmente ao jogador. Pegando num meiinho, por exemplo: até que ponto o jogador entende que determinadas coisas que ali acontecem depois se refletem no jogo? Pensar sobre isto mudou bastante a minha forma de estar no treino”.

-> “Para mim, um treino rico é quando num exercício aconteceram coisas que não estávamos à espera. A dinâmica que se quer implementar num exercício tem que ser cada vez mais objetiva. Depois, o que pode acontecer, as soluções que possam surgir, a criatividade dos jogadores, isso é o que dá riqueza ao exercícios”.

-> “Os jogadores têm diferentes níveis de entendimento do jogo e do treino, há uns mais capazes e outros menos capazes. Daí ser fundamental encontrar um equilíbrio (…) Hoje em dia, o jogador está cada vez mais dotado de conhecimento e isso obriga os treinadores a estar em constante evolução. Se queres transmitir uma informação e não consegues, o jogador vai entender isso e a tua credibilidade fica posta em causa porque os jogadores já não te vão ouvir da mesma forma”.

-> “Acho fantástico haver a possibilidade de dentro do próprio treino ser possível fazer um ‘rewind’ de 15 segundos, olhar para um ecrã e estar a ver aquilo que queremos transmitir. Com isso, rapidamente o jogador focaliza o feedback visual e verbal. Muitas vezes o verbal é assimilado de forma vaga pelos jogadores, pelo que, se conseguirmos juntar o visual e as imagens, acredito que o entendimento dos jogadores aumenta exponencialmente”.

-> “Ultimamente, tenho-me debruçado muito sobre a liderança. Tenho falado com diretores de teatro, CEO’s de empresas… E dá para perceber o porquê de determinados sucessos. Porque isto vai entroncar numa coisa essencial: somos todos pessoas. Por mais que estejamos em diferentes contextos e atividades, todos nos queremos sentir bem naquilo que fazemos e se não cuidarmos dos que estão connosco e com quem trabalhamos, mais tarde ou mais cedo as fricções aparecem”.

-> “Cada vez mais, quando me ligam para terem informação sobre determinado jogador não me perguntam como é que ele joga; o que querem é saber como é enquanto pessoa, o que é que aporta ao grupo, como é que o vejo integrado numa cultura diferente, se é muito apegado à família, etc… Porque tudo isto vai ter impacto (no rendimento desportivo) e muitas vezes ainda não é pensado. Olha-se para o jogador e o que faz num determinado contexto, mas esquece-se que depois vai para outro contexto completamente diferente, sem a família, e não vai render da mesma forma”.

-> “A maior parte dos clubes andam à deriva. Não sabem aquilo que têm, não sabem o que querem e não sabem o que querem ser. Vive-se para o resultado, não se vive para o processo e para uma maneira de pensar. Quando existe uma linha orientadora, uma forma de estar e de pensar clara, depois o treinador é alguém que vai limar arestas, que torna a ‘casa’ mais eficiente”.

-> “Imagina que estamos a pensar em contratar um ‘6’ capaz de fazer passes em profundidade e temos os dados do Sergio Busquets para analisar. Através dos números, vamos rapidamente perceber que ele não é esse tipo de jogador. Mas ele permite que outros tenham espaço para fazer esses passes que queremos. Ou seja, os dados, para alguns, dizem para não contratar o Busquets, mas se eu conseguir perceber o que acontece antes para estas situações e esses passes se proporcionarem, a minha interpretação dos dados já vai ser diferente. Temos que ter a capacidade de contextualizar”.

-> “Quando partilhamos alguma informação é muito importante conhecer e perceber quem é que a vai receber e como é que vai lidar com isso”.

-> “Há treinadores que estão constantemente a corrigir, em treino e em jogo, massacram a cabeça do jogador. Acho que isso prejudica mais do que ajuda. O treinador não é dono de todas as respostas, não tem a solução para tudo. Os treinadores devem tentar fazer com que o jogador, em treino e em jogo, seja autónomo. Estamos ali para orientar. Num determinado exercício, são os jogadores que devem encontrar as soluções. Daí eu achar extremamente importante em cada exercício haver lá uma alínea que diz ‘regras de provocação’: isto é, o que é que eu quero provocar nos jogadores com estas regras?”.

-> “Temos que saber criar perante os jogadores e entre os próprios jogadores uma relação saudável com o erro. Eu não sou dono de todas as respostas, eu não sei tudo e tenho que ter a capacidade de perceber que posso estar errado, da mesma maneira que o jogador pode equivocar-se. Acho fundamental criar, gerir e tornar saudável esta relação com o erro. Quando um jogador falha um passe, por exemplo, ele já se sente mal e sabe que errou por ele mesmo, não precisa que o treinador lhe caia em cima (…) É importante criar situações em que seja possível gerir frustrações”.

Vasco Samouco