A formação começa e acaba no futebol? Trata-se de formar jogadores, assim mesmo com essa visão tão redutora, ou também de lidar com pessoas, educá-las e tentar prepará-las para um futuro fora do campo, ainda por cima na fase mais importante e mais facilmente influenciável da evolução de cada um? Pode alguém que sabe muito de futebol, mas que não tem a sensibilidade para trabalhar com crianças e jovens ser treinador de formação? Sim, faz todo o sentido ter os “melhores treinadores na formação”, mas depois disso convém também parar para pensar sobre quem são esses melhores. São os que têm mais conhecimentos? Mas que conhecimentos são esses? No que é que se devem distinguir os treinadores que trabalham com crianças e jovens dos 6 aos 18 anos?
A discussão não é linear, muito menos simples. É complexa, dá azo a várias visões e por isso é tão importante. E o cenário ideal (para mim) é difícil de implementar, é verdade. Mas a reflexão é necessária, cada vez mais. A grande questão, parece-me, tem a ver com as prioridades. É preferível uma boa pessoa que também seja capaz de ser bom a jogar futebol ou é preferível um bom jogador que também possa ser, com sorte, alguém com valor fora do campo? Primeiro o jogador ou primeiro a pessoa? Será possível dissociar as duas? E mesmo que haja uma prioridade definida, como conciliar ambas da melhor maneira? As perguntas (estas e outras) são fundamentais porque são as respostas a elas a determinar o tipo de treinadores que a formação precisa. Que ajudem mais as crianças e os jovens. Vai, lá está, diferenciar os tais melhores, aqueles com os conhecimentos adequados para a função. Acredito – ainda por cima no contexto social atual – que faz cada vez menos sentido ver os clubes apenas como espaços desportivos. São organizações com responsabilidades educacionais e sociais e isso quer dizer que em qualquer decisão, escolha, medida ou estratégia, é importante ter sempre em consideração a probabilidade de que quase a totalidade dos jovens em formação não vai fazer carreira no futebol. E isto não é um mero pormenor.
A responsabilidade educacional ganha, por isso, força. Daí que, se puderem e tiverem capacidade para tal, os clubes devem conciliar a prática desportiva com a educativa, colocando sempre esta última no topo das prioridades. O treino, o jogo, as ações, as atitudes, os comportamentos, as reações, as formas de estar, o compromisso… Tudo deve estar alinhado com uma mensagem que passe para lá do terreno do jogo e dos portões das infra-estruturas. Não só porque vai ajudar os jovens na vida futura, mas também porque, estou convicto, os tornará mais preparados para um futuro assinalável como futebolista.
Acredito que os jogadores serão melhores quanto mais completa, abrangente e holística for a respetiva formação. Se lhes forem transmitidos bons exemplos, conhecimentos e ensinamentos noutras áreas (psicologia, nutrição, criatividade, sono, gestão, liderança, etc), vivências e contextos diversos, terão mais ferramentas para serem melhores futebolistas – sem esquecer o impacto que isso terá na vida pessoal de cada um. Vão pensar mais, questionar, lidar melhor com o sucesso e o fracasso, ser curiosos, ter outros interesses. Um (futuro) bom jogador não se constrói só com aquilo que lhe é transmitido futebolisticamente, mas também (e principalmente?) com toda a envolvência que lhe é proporcionada.
Depois, no que diz respeito ao futebol propriamente dito, ao jogo puro e duro, à transmissão de conhecimentos, ao treino, há que estar consciente de que não é a mesma coisa treinar e trabalhar com crianças de seis anos e lidar com adolescentes de 15 ou 18. Diferentes idades exigem diferentes abordagens e diferentes abordagens requerem diferentes conhecimentos, outras formas de estar e outras competências. Ou seja, o melhor treinador para crianças pode não ser o melhor treinador para adolescentes, embora a um e a outro se deva exigir características que os tornem mais capazes de fazerem a diferença para lá do futebol. Desse modo, voltamos ao mesmo, até estarão mais perto de formar melhores futebolistas.
Já é prática comum os clubes receberem dinheiro para aceitarem crianças e jovens na formação. É justo. Mas isso também tem que trazer mais responsabilidade. E se os pais pagam com a ideia de apenas verem os filhos evoluírem como futebolistas, então estão tão errados como os que continuam a ver a formação como algo só direcionado para a prática desportiva. (Os pais) devem ter a noção de que escolher onde deixar o filho, até para jogar futebol, também é traçar-lhe o futuro.
IDEIAS-CHAVE
- Faz cada vez menos sentido ver os clubes apenas como espaços desportivos. Também devem visar a vertente educacional
- Alguém que não acrescenta valor para além de conhecimento futebolístico não é um bom treinador de formação
- Um bom jogador não se constrói só com aquilo que lhe é transmitido futebolisticamente, mas também com toda a envolvência que lhe é proporcionada
- Não é igual treinar e trabalhar crianças de seis anos e lidar com adolescentes de 15 ou 18. Diferentes idades exigem diferentes conhecimentos
- Tudo o que se faz e transmite deve, sempre que possível, estar alinhado com uma mensagem que passe para lá do terreno do jogo.