Como decidir o próximo treinador

05 de Março, 2020 - 7 mins de leitura

Contratar um treinador é uma das decisões mais importantes de qualquer Direção Desportiva. Acertar, ou falhar, causa impactos financeiros e desportivos profundos no clube, é determinante para a evolução, ou estagnação, de qualquer projeto. E, ainda assim, a maioria dos dirigentes continua a basear esta decisão primordial em razões básicas, muitas vezes banais. Ainda valorizam aspetos pouco consistentes e que estão longe de garantir o sucesso da escolha e decidem depois de analisarem sem a profundidade suficiente, nem com a preocupação de diminuir a margem de erro e preparar o futuro.

É fundamental ter a noção que o treinador é determinante para a valorização de ativos, é importante para ter bons resultados no campo, e, consequentemente, é essencial na sustentabilidade financeira do clube e no crescimento e na evolução do projeto desportivo. No fundo, os treinadores têm a capacidade de mudar os clubes para melhor, se forem escolhidos muito criteriosamente e se lhes forem dadas as condições ideais para trabalharem. Ignorar isto é estar a andar para trás, é não saber para onde se quer ir e hipotecar as possibilidades, por pequenas que sejam, de fazer crescer o clube. Daí, considero essencial que qualquer escolha seja fundamentada com aquilo que o treinador pode acrescentar à equipa, ao clube e ao projeto, independentemente dos resultados desportivos.

Cometem-se muitos erros desnecessários, quer na identificação de alvos, quer no processo de recrutamento, quer depois nas razões que levam à escolha final e perante a minha convicção de que a importância desta decisão ainda é bastante desvalorizada pela maior parte dos clubes (em Portugal o problema parece-me evidente), estabeleci dez princípios estratégicos que me parecem essenciais para reduzir a margem de erro na escolha do treinador e para não hipotecar a evolução de qualquer projeto.

Identificar alvos antecipadamente

Se acontece com jogadores, por que não também com treinadores, que até estão mais em risco e podem sair a qualquer momento, por boas ou más razões? Ter um treinador agora não deve, nem pode, inviabilizar que se prepare o futuro e que não se seja apanhado desprevenido. É preciso estar preparado para mexer no comando técnico a qualquer momento e para isso é obrigatório ir identificando possíveis alvos, estudá-los e analisá-los (nem que seja para chegar à conclusão de que não servem) enquanto o problema não existe e assim ter imediatamente alternativas quando for necessário encontrar soluções.

Ter várias opções

Dizer que se contratou a primeira escolha fica bem, e até dá ideia de eficiência, mas, a não ser que se conheça quase na perfeição essa tal primeira escolha, até que ponto é preferível cingir-se a um nome em vez de ter várias opções em aberto e não ficar refém de alguém que até pode nem aceitar? Parece-me mais eficaz abordar diferentes opções, definir um leque de alvos, falar com eles, reunir, partilhar pontos de vista, tentar conhecê-los mais a fundo, ouvir as ideias que têm para o clube e para a carreira, saber se os planos do clube estão alinhados com os deles e se são compatíveis e, com isso, ter mais matéria para sustentar a decisão e escolher baseando-se em análises muito mais profundas e abrangentes. As entrevistas são uma mais-valia ainda não muito explorada para este fim, mas que têm potencial para clarificar ideias e tirar dúvidas essenciais.

Relativizar os resultados

Ganhar ou perder interessa e até pode ser importante na escolha, mas sempre tendo em conta os contextos em que essas vitórias ou derrotas aconteceram. Às vezes, um sexto lugar tem mais valor do que um primeiro. Os resultados dependem sempre de vários fatores (num jogo de futebol participam 28 jogadores e três árbitros, ou seja, é influenciado por aquilo que fazem 31 pessoas), muitos que fogem à influência do treinador, razão suficiente para dar ênfase a outras qualidades, pessoais e profissionais, muito mais relevantes para perceber com que tipo de líder se está a lidar e se é o indicado nesse contexto determinado. As equipas são sempre diferentes, os jogadores são outros, a realidade não é a mesma e isso é importante. Os resultados podem ajudar a decidir, mas sempre depois de se avaliarem uma série de aspetos, e nunca devem ser a razão principal para definir quem contratar.

Características inegociáveis

Uma boa maneira de fazer a triagem dos treinadores a seguir e a ter em conta na hora de definir alvos concretos, é determinar um conjunto de qualidades e características que o treinador tem obrigatoriamente que ter para ser tido em conta como opção. Elas podem estar relacionadas com a forma de jogar, mas também com a idade (priorizar jovens e com margem de progressão, por exemplo), a forma de estar e de liderar, a capacidade de inovar, a visão, as relações interpessoais, o conhecimento, a abertura para aprender, etc. E esses atributos pré-definidos devem estar sempre acima de qualquer suspeita: isto é, mesmo que alguém que encaixe nesse perfil e com essas características não tenha o impacto desejado, isso não deve ser razão para redefinir esses princípios. Caso contrário, corre-se o risco de não se saber o que se quer.

Pensar para lá do curto-prazo

Nenhum treinador é para sempre. Pelo contrário, o período de permanência num clube é cada vez mais instável. Por isso, é fundamental para a evolução de qualquer projeto que o treinador deixe algo quando sair, para além dos resultados. O treinador deve ser sempre alguém que tenha a predisposição para pensar para além de ganhar, que acrescente valor, conhecimento, que melhore a organização e os ativos que estão sob a responsabilidade dele. Que deixe uma marca, que influencie e deixe o clube melhor do que quando chegou. O que ele consegue a curto-prazo é importante, mas o que ele deixa para além disso é fundamental, sob pena de não ter o impacto necessário no desenvolvimento do projeto.

Não ignorar a pessoa

As qualidades pessoais não são menos importantes do que as competências profissionais e o currículo. É fundamental conhecer a pessoa para lá do treinador e dar importância relevante a esse aspeto na hora de decidir a quem entregar a liderança da equipa. Como é no dia-a-dia, como se comporta com as pessoas que trabalham para ele, se é educado e alguém que sirva de referência para os outros, com bons princípios de vida, etc. Conheço exemplos de dirigentes que ficaram surpreendidos, negativamente, com a pessoa que contrataram e isso é incompatível com o futebol profissionalizado. É condenar a escolha ao fracasso.

Honestidade máxima

Antes de escolher o treinador, há que fazer e dizer-lhe tudo para evitar surpresas e facilitar-lhe a vida e o trabalho. Anunciar as dificuldades, explicar o contexto e não esconder nada é essencial para uma parceria duradoura, bem-sucedida, livre de conflitos e de confiança, o laço fundamental que une qualquer estrutura de trabalho. Contratar alguém que depois fica surpreendido com aquilo que encontrou, seja com o que for e por mais insignificante que pareça, é, logo à partida, perder a confiança deste trabalhador fulcral e fazer com que as dúvidas sejam sempre mais do que as certezas. É promover a desconfiança. É minar o ambiente e, obviamente, prejudicar o trabalho do treinador.

Diminuir o poder nas contratações

Um treinador está sempre a prazo e, portanto, não deve ser ele a decidir o processo, e isso inclui quem contratar. Deve ter opinião, sim, e até pode escolher quem quer, mas sempre de entre nomes sugeridos pela estrutura e que se enquadrem na ideia de jogo e na política desportiva definidas pelo clube. Nenhuma organização deve ficar refém das opções e escolhas de alguém que pode sair a qualquer altura. Por outro lado, esta abordagem também facilita o trabalho do treinador, tira-lhe responsabilidades desnecessárias e dá-lhe mais tempo para controlar aquilo que é realmente a sua principal tarefa.

Imagem

O treinador é a cara mais visível de qualquer clube. É o que aparece mais vezes, nos bons e nos maus momentos, é o que fala mais, é o que tem mais oportunidades de dar voz ao projeto em que está inserido, é aquele cujo comportamento e reações implicam diretamente o clube que representa, para o bem e para o mal, é o que tem a tarefa de mobilizar equipas e adeptos. Por imagem não me refiro ao aspeto físico ou à maneira de vestir, mas sim a um conjunto de atributos (forma de estar, a comunicação, a reação a momentos de pressão, o passar da mensagem, etc) que façam dele uma mais-valia para além do que se vê no campo e nos jogos.

Conhecer a equipa técnica

O clube deve conhecer, na medida do possível, todos os profissionais a quem dá trabalho e em quem deposita confiança para ajudar no desenvolvimento do projeto desportivo. Por isso, não chega conhecer muito bem o treinador, se depois se ignora com quem ele trabalha e os que o vão auxiliar. A equipa técnica tem um papel cada vez mais fundamental no sucesso de uma equipa e também essas escolhas devem ser bem pensadas e analisadas por quem contrata. Neste sentido, o scouting (identificação de alvos) que mencionei atrás deve, sempre que possível, abranger analistas, especialistas em treino, psicólogos, treinadores de guarda-redes, etc. O clube tem que controlar ao máximo quem contrata. Uma boa equipa técnica faz mais pelo clube do que um plantel de grandes jogadores.

IDEIAS-CHAVE

  • Decidir o treinador é uma das decisões mais importantes de qualquer clube
  • O treinador tem impacto desportivo e financeiro em qualquer projeto
  • Se enquadrados no contexto certo e se lhes forem dadas boas condições, os treinadores têm a capacidade para mudar os clubes
  • São os treinadores que valorizam os principais ativos dos clubes (jogadores)
  • A maioria dos clubes ainda escolhe os treinadores baseando-se quase exclusivamente em razões banais e superficiais, como os resultados
  • Os treinadores têm uma equipa técnica, logo conhecer bem esses restantes membros também é essencial
  • O treinador é cara de um clube, por isso também deve ser escolhido por outras aptidões, para além das capacidades como líder e do conhecimento futebolístico.

Vasco Samouco