São as escolhas, as decisões, as convicções, as ideias, as palavras, os atos dos dirigentes que guiam os clubes. Que os mudam, que lhes dão identidade, que criam valores. Os clubes, como todas as organizações, são o que os respetivos dirigentes os tornam com aquilo que eles são e com aquilo que fazem. Neste sentido, a verdadeira mudança, a verdadeira identidade, aquela que é duradoura, resistente às adversidades e que não está à mercê de resultados, só acontece quando é pensada, executada e suportada por quem está no topo da pirâmide. Mas a influência dos dirigentes pode ser muito mais profunda. Deve ser, aliás. E isso tem que ser tido em conta. Porque eles também lidam com treinadores em início de carreira e jogadores em fase formativa, por exemplo. É evidente o peso que podem ter nesses percursos.
A culpa de os treinadores de formação colocarem o resultado acima de tudo não é deles. Essa irresponsabilidade, quase imperdoável, é de quem dirige, de quem lidera. São os dirigentes/coordenadores que despedem estes treinadores pela simples razão de não ganharem. São eles, então, que desvirtuam o ganhar e o perder até. E também são eles que, a um nível mais alto, quando contratam um treinador para a equipa principal, facilitam, ou não, o trabalho de quem escolhem. Sem jogarem, são os dirigentes que têm mais poder no futebol, que o podem mudar para melhor ou para pior, influência, essa, que se estende inclusivamente à evolução do próprio jogo. E, no entanto, ignora-se isso, desde a forma como são vistos e como são (des)valorizados, até ao (pouco) investimento que merecem, não só a nível financeiro, mas nomeadamente no que diz respeito ao cuidado nas escolhas, à formação, às qualidades e aos comportamentos que devem ter.
Continua sem existir verdadeira noção do impacto de quem tem cargos diretivos. Pensa-se que se limitam a gerir, só que os dirigentes são líderes, logo a sua importância é forçosamente significativa, quer queiram quer não. Eles podem melhorar os treinadores e com isso também contribuir decisivamente para a formação de jogadores melhor preparados. Contudo, esse papel pedagógico é quase inexistente porque é negligenciado e ignorado, primeiro por quem os escolhe e depois por eles próprios, quando assumem os cargos sem a noção do impacto que vão ter, mesmo sem se aperceberem.
Os dirigentes ajudam à evolução do treinador quando o enquadram num contexto adequado às qualidades dele, por exemplo. Ajudam-no com pormenores tão simples como lhe dar tranquilidade e espaço para trabalhar sem pressa, sem amarras de resultados numéricos, ajudam-no quando lhe transmitem segurança. Pelo contrário, prejudicam-no e aniquilam-lhe o crescimento ao não lhe proporcionar as condições mínimas, a nível material, anímico, espiritual, grupal e humano. E isso é mau para o treinador, mau para quem o contrata e mau para o clube. Porque se correr bem, quando o treinador sair voltará o vazio e a incerteza; e se correr mal será tempo perdido para todos, e para o treinador em particular, que pouco ou nada ganhou para a evolução pessoal.
Tudo isto ganha ainda mais relevância quando falamos no futebol de formação, Aí, os dirigentes/coordenadores lidam com treinadores em início de carreira e com jogadores em evolução, que são pessoas cujo caráter está na fase em que é mais facilmente moldado. A influência que exercem é significativa. O que transmitem, como se comportam, o tipo de conduta que têm, a responsabilidade, a disciplina, o espírito de iniciativa, o acompanhamento, os conselhos, a forma de estar, o respeito, a educação… Aquilo que fazem os que estão acima tem impacto nos que estão abaixo. Daí que, escolher bem quem dirige e coordena é fundamental, também ao nível das qualidades pessoais. Quem está nestes cargos deve ter consciência que está profundamente envolvido na formação de quem está à volta dele, principalmente treinadores e jogadores.
Esta influência, é óbvio, também se estende à vertente desportiva. Embora aqui já entrem outras qualidades na equação, nem por isso menos importantes. Afinal, falamos de tentar desenvolver treinadores e jogadores de futebol. Cabe a quem dirige e coordena descomplicar o processo formativo. Ou seja, tem que saber preparar os contextos que entende serem os que mais ajudem quem está em formação. E isso é muito mais difícil quando lhes fazem sentir que uma série de maus resultados não é aceitável, que perder é o fim de mundo e que tudo depende de ganhar. Como pode alguém evoluir se não lhe for dado espaço para o erro, para a criatividade ou para a experiência? Mas esse processo também fica dificultado se não existirem linhas orientadoras gerais, um projeto claro, prioridades definidas e um bom ambiente de clube. Isto é contribuir beneficamente para a evolução de treinadores e de jogadores, é responsabilidade de quem dirige, coordena e lidera.
O problema (ou o grande problema) é que a maioria dos dirigentes no futebol português não são profissionais e no futebol de formação esse vazio é ainda mais nocivo. Em muitos casos, os dirigentes nem sequer são escolhidos, simplesmente são os que aparecem e estão dispostos a isso, quase sempre com prejuízo da vida pessoal. Se conciliam o futebol com a profissão que lhes dá dinheiro, como é que vão pensar em projetos, em planos ou em estratégias? Como podem ajudar treinadores e jogadores? Simplesmente, não têm tempo e sem tempo também fica mais complicado fomentar a ambição de tentar construir o que quer que seja. Parece-me evidente: a evolução que existe no campo não tem acompanhamento fora do campo e, curiosamente, é quem está de fora que tem mais poder para construir e mudar alguma coisa.
Como já defendi aqui, investir em quem não joga nem treina é fundamental. Formar bons jogadores e bons treinadores e criar equipas são processos que também dizem respeito aos dirigentes, cujo papel está longe de se limitar a gerir, organizar e mandar. As verdadeiras mudanças só acontecem quando começam em cima, fora do campo e com pessoas competentes em cargos diretivos e de liderança.