Investir no rendimento em vez da qualidade

16 de Abril, 2020 - 4 mins de leitura

O que é mais importante: conseguir os melhores jogadores possíveis ou ter as melhores pessoas possíveis para trabalhar, liderar e lidar com os jogadores, mesmo que estes não sejam os que gostaríamos de ter? Numa época em que o ‘scouting’ está tão na moda e num crescimento desmedido (e bem porque é fundamental), parece-me ainda mais importante realçar que o sucesso ou o insucesso de qualquer escolha/contratação depende, em larga medida, daquilo que o clube, depois, tem para lhe oferecer. Contratar e definir o plantel continua a ser visto como o principal investimento de qualquer clube, mas o topo dessas prioridades não deve ficar por aí. (Claro, não se trata de escolher um jogador qualquer esperar que resulte. O rigor nesse processo continua a ser importante, mas o acerto dessa escolha depende do que se faz com ela) Tão, ou mais, importante do que investir na contratação de jogadores, é proporcionar-lhes condições para que eles retribuam a aposta dentro do campo.

Também estou tentado a concordar que nunca houve tantos bons jogadores como hoje. Essa convicção, mais ou menos generalizada, sustenta-se em várias evidências – o número de treinadores disparou, as academias de formação multiplicam-se por todo o Mundo, os treinos são melhores, o conhecimento aumentou e tornou-se universal, as bolas são mais leves, as chuteiras quase invisíveis, a alimentação é melhor –, só que, ao contrário do que, talvez, seria suposto, tal facto também exige, e continuará a exigir, mais dos clubes. Porque eles são cada vez mais, contratar os melhores já não chega e está longe de garantir bons resultados. Diria mais: não ter os jogadores que se quer ou os melhores jogadores que se poderia ter é cada vez menos impeditivo de atingir resultados satisfatórios porque as eventuais diferenças de qualidade podem ser atenuadas. A tendência inclina-se para os bons jogadores aumentarem e se equipararem, mas se há mais bons jogadores, também haverá mais equipas com bons jogadores, o que significa mais equilíbrio individual e uma realidade que traduz algo fundamental: os resultados serão ditados cada vez menos pela diferença entre jogadores melhores e piores, mas sim pela diferença entre jogadores com melhor ou pior rendimento, melhor ou pior aproveitados, melhor ou pior enquadrados, mais ou menos ajudados.

Ou seja, potenciar os jogadores é fundamental para ganhar jogos, para crescer e dar significado a qualquer projeto e isso só se consegue a investir e a escolher bem as pessoas que trabalham com eles, a vários níveis. O jogador certo à priori não existe porque o sucesso dele depende, decisivamente, de outros. Por isso, não vale a pena procurá-lo, nem sequer imaginá-lo. É um desperdício de dinheiro, de tempo e de energia. Em vez disso, os clubes devem ter condições, humanas, principalmente, mas também estruturais e materiais, para fazerem dele o jogador certo à posteriori. Mais do que desesperarem por contratar o suposto jogador ideal, os clubes devem preocupar-se cada vez mais em encontrar as pessoas certas para ajudarem os jogadores. Escolher bem os jogadores não pode ter mais importância do que investir nas pessoas que vão lidar eles. Elas têm capacidade para ensinar, para influenciar e para criar contextos favoráveis e são a diferença entre um jogador com rendimento e outro sem rendimento.

As equipas não são melhores ou piores por os jogadores terem mais ou menos qualidades. Elas são melhores ou piores do que está previsto porque os seus membros são mais ou menos potencializados. Tem tudo a ver com se são rentabilizados ou, pelo contrário, castrados. Um bom jogador num contexto favorável pode parecer um craque, um bom jogador num enquadramento desfavorável está destinado a ser pior do que aquilo que realmente é. E é cada vez mais essencial ter isto em conta quando tentarmos prever e explicar o ganhar e o perder. Um grupo de jogadores é bem-sucedido graças à capacidade dos seus líderes, à qualidade dos departamentos que gravitam à volta da equipa e à realidade em que está inserida. Uma equipa é dentro do campo o reflexo daquilo que a rodeia fora do campo.

Então, a contratação de futebolistas deve ser, realmente, o principal investimento e a primeira preocupação? Cada vez menos acredito nisso. São eles que jogam, sim, mas, como já referi, o que eles jogam está diretamente relacionado com a envolvência que têm. O treinador e a equipa técnica, a Direção, o diretor desportivo, psicólogos, o departamento médico, no fundo toda a estrutura que lida com a equipa contribui decisivamente para os bons ou para os maus resultados. Se bem escolhidos, são investimentos com retorno para lá do curto-prazo, como ainda são a garantia de estabilidade, de bom ambiente, de capacidade de resposta adequada aos diferentes momentos, de confiança nos períodos maus, de evolução, de conhecimento e de querer tornar os outros melhores, com os jogadores à cabeça.

E não, tudo isto não é (só) para os clubes grandes, os que querem ganhar troféus. Pelo contrário, são os clubes mais pequenos, com menos dinheiro e que não lutam por títulos que devem investir mais na tal ‘Estrutura’ de que tantos falam, mas poucos têm e nem sequer dão valor. Porquê? Porque são eles que têm mais concorrência, quer na concretização de objetivos quer para contratar os jogadores que querem, e menos recursos, logo os detalhes ganham maior relevância. É quando o dinheiro não abunda que se torna decisivo investi-lo bem, em algo ou alguém que garanta retorno duradouro e tenha capacidade para tornar o clube melhor. A curto prazo, acertar no treinador pode ser suficiente para ter sucesso, mas num espaço temporal maior e num projeto pensado a longo-prazo ter uma ‘Estrutura’ forte é estar mais perto de assegurar bons resultados.

IDEIAS-CHAVE

  • O sucesso ou o insucesso de qualquer escolha/contratação depende, em larga medida, daquilo que o clube, depois, tem para lhe oferecer
  • Não ter os jogadores que se quer ou os melhores jogadores que se poderia ter é cada vez menos impeditivo de atingir resultados satisfatórios
  • Os resultados serão ditados não pela diferença entre jogadores melhores e piores, mas sim por jogadores com melhor ou pior rendimento
  • Potenciar os jogadores só se consegue a investir e a escolher bem as pessoas que trabalham com eles, a vários níveis
  • O jogador certo à priori não existe, ele só se torna o jogador certo quando, e se, for bem enquadrado no clube
  • Os clubes mais pequenos têm mais concorrência e menos recursos, logo devem ser eles os que mais investem na tal ‘Estrutura’

Vasco Samouco