Há um aspeto que me parece cada vez mais evidente no futebol: os clubes e as equipas só evoluem se forem tomadas boas decisões fora do campo e ao mais alto nível. Se contratam bem, se acertam na escolha do treinador, se identificam e resolvem problemas importantes, se têm uma visão, se seguem fiéis a ela e decidem nesse sentido, se apostam nas pessoas e nas metodologias adequadas, se têm uma mentalidade de crescimento permanente, etc. E o que é curioso é que nada disto diz respeito aos futebolistas: ou seja, não são os jogadores que alimentam os projetos – nem os fazem, sequer – e que ditam aquilo que os clubes são e serão no futuro. Ajudam, sim. Se forem ajudados.
Quem tem mais responsabilidades nos clubes? Quem pensa (ou devia) o clube constantemente? Quem tem que o pensar do ponto de vista desportivo, mas também financeiramente? De quem depende a sustentabilidade? Quem indica caminhos? Quem faz as escolhas mais determinantes, a todos os níveis? Pensar nestas perguntas é chegar à conclusão de que as pessoas mais importantes estão e trabalham nos bastidores, longo dos relvados. Então, porque lhes damos tão pouco valor (simbólico e prático), porque desvalorizamos esses cargos e fazemos deles algo secundário, às vezes irrelevante, na vida de um clube?
É interessante verificar que o profissionalismo de um clube se resume ao estatuto do plantel. Se os jogadores são profissionais, então falamos de um clube profissional; se os jogadores não são profissionais, então estamos perante um contexto amador. Querem-se jogadores profissionais – mesmo que esse seja o profissionalismo menos significativo se os planos forem ambiciosos e pensados para evoluir e crescer –, mas as exigências a esse nível nascem e morrem por aí. (Quase) ninguém exige dirigentes profissionais, por exemplo, e se o treinador também não o for, tal não é visto como um grande problema. Desde que os jogadores o sejam, tudo parece estar bem. Estará mesmo?
Começar a profissionalizar por onde?
Os futebolistas foram os primeiros a profissionalizarem-se no futebol. Razões históricas, contextos sociais e desportivos explicam essa evolução, mas o futebol atual é bem mais complexo, envolve muitas outras coisas, tem mais preocupações e diversas exigências. Daí que hoje os clubes mais fortes são os que estão melhor estruturados, os que são mais bem geridos, mais profissionalizados fora do campo, mais organizados, são os que têm mais conhecimento ao dispor e, por isso, tomam melhores decisões mais vezes e cometem menos erros. E isso deve ser um exemplo para os que querem evoluir, ganhar mais, melhorarem e profissionalizarem-se. Esta convicção nasce a propósito disso e de refletir sobre aqueles que querem caminhar para o profissionalismo.
Quando se fala no salto do amadorismo/semi-profissionalismo para o profissionalismo, o que se pensa, habitualmente, é nos jogadores e que a primeira coisa que se pensa fazer é torná-los profissionais. O problema é que essa profissionalização não garante crescimento sustentável, melhor gestão, mais recursos, melhores resultados, infraestruturas mais desenvolvidas, organizações mais competentes, clubes mais fortes.
São os dirigentes, num plano superior, e os treinadores, logo a seguir, que pensam e que alimentam os projetos, são eles que fazem evoluir os clubes e as equipas, são eles que têm mais responsabilidades, mais trabalho, mais preocupações, e por isso precisam de mais tempo e de mais condições. Onde um clube estará daqui a dois ou três anos depende deles, das decisões que tomam, da motivação e da qualidade que têm, do tempo que podem dedicar ao clube e às respetivas funções. Então, não devem ser eles os primeiros profissionais num clube que se quer profissionalizar? Se existir um dirigente competente que se dedique a tempo inteiro, o clube vai crescer e tirar dividendos importantes disso. Se houver um bom treinador a tempo inteiro, os jogadores vão melhorar e as equipas serão mais fortes. O profissionalismo que interessa num clube que tem a ambição de crescer começa aqui.
Quem garante a estabilidade dos clubes – indispensável para se pensar em evoluir – não são os futebolistas. Por muito profissionais que sejam. Pelo contrário, os dirigentes têm essa responsabilidade, logo é para isso que devem trabalhar. É por eles, por aquilo que pensam, que fazem e que decidem, que os clubes avançam, estagnam ou retrocedem.
Já escrevi que para mim o que fará a diferença no futuro será a qualidade dos contextos que os jogadores terão à disposição (aqui e aqui) e a maneira como se encara o profissionalismo está diretamente relacionado com isso. O que faz a diferença, o que eleva os clubes a patamares superiores, o que os torna mais fortes, mais preparados e mais sustentáveis, é o que se faz fora do campo, pelas pessoas que não jogam. Ter dirigentes, treinadores e organizações profissionais é, por isso, determinante.