Este texto deixou-me a pensar. Desde logo neste ponto: os adeptos afastaram-se ou foram afastados? Porque, parece-me, é na resposta a esta pergunta onde se podem encontrar as soluções para travar o êxodo, nomeadamente dos mais novos. Se é verdade que se vive o período onde a suposta “concorrência” (já lá vamos) é maior e os estímulos mais diversos, por outro lado também se torna difícil negar a evidência de que o futebol, como um todo, tem feito pouco ou nada para evitar esse distanciamento, cada vez mais acentuado, com os adeptos. Pelo contrário, os últimos anos (recordemos que evolução não é necessariamente melhoria – pode ser negativa) estão cheios de passos e de decisões que vão na direção contrária.
Pensemos nas redes sociais, por exemplo. Elas negam a distância física, permitem aos clubes chegarem mais longe e a mais pessoas, darem-se a conhecer e a ganharem admiradores em todo o Mundo. E assim chegamos ao ponto em que os clubes parecem mais preocupados em agradar a pessoas que estão a 500, 1000 ou 2000 quilómetros, na procura de eventuais ganhos (faltando saber se esses ganhos compensam o que se perde, principalmente a longo-prazo), em detrimento dos que estão ali a dois passos. Desligam-se da cidade, da vila, da comunidade. Dão mais importância aos que estão longe e não pensam tanto nos que estão mais perto, que podem e querem ajudar, assim lhes seja dado o devido valor. Se a proximidade é desvalorizada, as relações desaparecem, os valores perdem-se e depois não pode ser uma surpresa que os adeptos também se afastem.
É preciso dizer que a globalização também tem coisas más. As modas espalham-se como vírus, copia-se insistente e irrefletidamente, acredita-se que se deu resultado em Shanghai também vai resultar em Gijón (duas cidades usadas ao acaso). Hoje, onde a internet, a televisão e a informação estão enraizadas, até, e lamentavelmente, ao nível cultural, toda a gente se veste da mesma maneira, discute os mesmos assuntos, tem os mesmos interesses e faz as mesmas coisas. A política que interessa é nacional e internacional, não é local. Olha-se para longe e não para perto. É a uniformização do pensamento e do agir; esquecem-se as tradições, as particularidades. Como é óbvio, o futebol globalizou-se também e isso prejudicou-o em vários aspetos.
Claro que o futebol não deve ficar preso ao passado e resignar-se ao que foi, mas também não pode esquecer o que lhe está na génese, porque é isso, curiosamente, que faz dele o maior desporto do Mundo, uma indústria e um negócio sem comparação. No entanto, algures nesta vertigem global isso foi esquecido e os danos, que começam a ser notados, serão previsíveis no que diz respeito àquilo que se vai perder, mas imprevisíveis na sua dimensão. Daí ser tão importante parar para pensar e tentar encontrar respostas para este problema. Antes que seja tarde.
Uma justificação reiterada para a alegada perda de interesse dos adeptos (jovens) no futebol está relacionada com a concorrência dos jogos de computador e/ou das plataformas tecnológicas, que se juntam à síndrome da falta de atenção (algo inerente à tal globalização) e à “pouca paciência” para ver jogos de 90 minutos. O raciocínio não está errado, as ilações que se tiram é que talvez mereçam mais cuidado e mais atenção. Então, a solução é fazer do futebol algo parecido com os jogos de computador ou será que é, justamente, o contrário? Não será um erro pensar que os jogos de computador são a concorrência e que para ganhar-lhes a luta é preciso diminuir o jogo a uma mera distração? Não quererão os adeptos que o futebol seja mais do que isso, mais do que algo para passar o tempo, para aproveitar durante 90 minutos (ou menos) e depois esquecer até ao jogo seguinte? Porque isso, até certo ponto, já acontece.
Os treinos à porta fechada, hoje tão generalizados quanto normais e normalizados, são uma excelente metáfora daquilo que o futebol perdeu e naquilo em que se tornou. Fechado, desconfiado, pouco transparente, elitista, maniento, longe dos adeptos (daqueles que pagam quotas, que vão aos estádios e que passam o amor pelo jogo e por um clube aos amigos, aos filhos e aos netos) e afastado da realidade. São defeitos a mais para quem se diz preocupado com a perda de interesse dos adeptos.
É mais fácil apontar o dedo noutra direção e encontrar justificações nos computadores, no défice de atenção e paciência, em vez de olhar para dentro, fazer uma auto-avaliação e procurar erros próprios. A verdade, contudo, é que ver futebol nunca foi tão caro, seja nos estádios ou na televisão; a verdade é que o futebol nunca movimentou tanto dinheiro, que o dinheiro nunca foi tão importante como agora e que isso diminuiu a importância dos valores, dos princípios e da sustentação ideológica de cada clube; também é verdade que sempre que um jogador se evidencia, o mais provável é que seja vendido meses depois, minimizando, logo à partida, as possibilidades de identificação entre adeptos, jogadores, equipa e clube, que, até há bom pouco tempo, fortalecia os laços e as relações. Os adeptos também se afastam e perdem o interesse por causa destas coisas. Principalmente, por causa destas coisas.
Não vou ao ponto de defender que os adeptos têm que ter voz ativa nas decisões dos clubes. Aliás, tendo, cada vez mais, a ser contra isso por duas grandes razões: 1) acredito que a gestão atual, as exigências de agora (desportivas, financeiras, logísticas, etc) não são compatíveis com esse – chamemos-lhe assim – modelo; 2) essa forma de atuar tem muitas mais desvantagens do que vantagens e causará mais instabilidade do que estabilidade. No entanto, não é preciso dar-lhes esse poder todo para os adeptos – repito: os que pagam as quotas, que vão ao estádio e levam os filhos e os netos – se sentirem valorizados e que não sejam vistos como meros espectadores, clientes e fontes de receitas (financeiras).
Assim, começa a ser difícil não pensar que para recuperar os adeptos o futebol tem que abdicar de algumas coisas. Falta saber se está disposto a isso. Os adeptos estão a perder o interesse pelo futebol ou o futebol é que perdeu o interesse pelos adeptos?