Não é o treinador que falha, é o clube

07 de Maio, 2020 - 5 mins de leitura

Quando um treinador é despedido, a tendência é dizer que ele falhou e essa responsabilidade é-lhe apontada na totalidade, mas a conclusão mais importante a tirar desse desfecho é que o clube não fez bem o trabalho que lhe competia. O clube é que falhou. Ou porque o processo da escolha foi pouco criterioso e a escolha em si não era a adequada ao contexto da equipa e/ou ao projeto global ou porque não foram proporcionadas as condições ideais para o treinador ter sucesso, em primeira instância o ónus da culpabilidade deve estar sempre em quem tem essas responsabilidades e as descura, contribuindo decisivamente para o desfecho negativo. Se a decisão de quem contratar é fundamental, não é menos importante proporcionar o ambiente adequado para essa escolha resultar. E também aí muita coisa falha. Aos treinadores que chegam, quase sempre, está reservado um peso demasiado grande, uma pressão quase intolerável, uma importância desmedida no dia-a-dia do clube, muito maior do que o que é suposto, e objetivos desenquadrados com a realidade. E tudo isso lhes rouba tranquilidade, clareza, concentração, disponibilidade. O trabalho de quem só devia preocupar-se em treinar torna-se muito mais difícil, quando, pelo contrário, o objetivo primordial deve ser facilitá-lo o mais possível.

A minha convicção é que, regra geral, os treinadores não falham. São, isso sim, vítimas das circunstâncias, da falta de planeamento. O que falha, normalmente, é tudo o que os rodeia e os influencia. Se aos jogadores devem ser dadas condições para terem o melhor rendimento possível no campo, também os treinadores precisam de um bom enquadramento e a qualidade do seu trabalho está muito dependente do contexto em que estão inseridos e do suporte que lhes é dado. Mais: se pensarmos que é o treinador quem está na posição mais frágil do ecossistema que é o futebol, que é posto em causa sistematicamente, que tem o trabalho mais escrutinado e que está dependente de algo que não controla em absoluto (os resultados numéricos), talvez até faça sentido dizer que o treinador precisa de mais atenção e apoio do que os futebolistas. No entanto, não é isso que acontece. Longe disso. No que diz respeito, à escolha, ao tratamento e às condições que são proporcionados aos treinadores, ainda é possível melhorar e fazer mais. Para bem deles e de quem precisa deles para atingir objetivos.

Se há cada vez mais treinadores disponíveis e se é convicção geral de que eles são cada vez melhores, então como se explica que aqueles que se aguentam muito tempo no mesmo clube fazem parte de uma espécie em vias de extinção e que os despedimentos aconteçam mais regularmente? A explicação só pode estar nos clubes, nos dirigentes e em todo o trabalho que não se faz para os aproveitar da melhor maneira. Desde a escolha pouco criteriosa, passando pela falta de transparência na comunicação e na partilha de ideias, pelo exagero na responsabilidade e no poder, pelos objetivos virados essencialmente para o curto-prazo e acabando na falta de tempo e de espaço, são várias as potenciais causas prejudiciais ao trabalho de um treinador. Há que facilitar-lhe a vida! E isso começa ainda antes de ele ser escolhido, nas conversas que antecedem a contratação. O clube que tem um projeto definido, uma linha orientadora, um plano para lá do curto-prazo, sabe o que quer, o que dizer, o que apresentar e desse modo evita, desde logo, vários problemas. Diminui as dúvidas, abafa as incertezas, promove a segurança e a confiança.

A escolha, no entanto, é só o princípio e está longe de ser o fim. É o primeiro passo, e que deve ser bem pensado e analisado, claro, mas depois é importante, decisivo até, assegurar o contexto e o acompanhamento adequado para sustentar o treinador e ajudá-lo o mais possível. Ou, no mínimo, não dificultar-lhe a tarefa. Numa atividade de constante mudança, cheia de imprevisibilidade e de emoção, como é o futebol, a estabilidade e a confiança são preponderantes e isso não nasce nem se alimenta por acaso. Tem origem e consolida-se com ações, pensamentos, conversas e convicções; é isso que torna as convivências estáveis, duradouras e rentáveis. Sem isso, é todo o contrário: a ligação não se solidifica, as atenções desviam-se do essencial e ao primeiro contratempo as dúvidas, de parte a parte (estrutura e treinador), surgem para não mais desaparecerem.

A relação clube (visão) -> direção (ideia/estratégia) -> treinador (operacionalização) é essencial. Deve ficar clara desde o primeiro dia e, como indico atrás, ao treinador não deve estar reservado outro papel que não seja a preparação da equipa, dos jogadores e a dele mesmo, esta última parte ainda algo praticamente inexistente e que continua sem merecer o destaque que merece (Quanto mais um treinador evoluir, melhor para quem o tem, certo?). Quando um clube quer controlar tudo e com isso diminuir o peso de quem treina na maioria das decisões, não está a prejudicar o trabalho do treinador. Pelo contrário, está a facilitá-lo. O treinador deve preocupar-se, exclusivamente, com a equipa e com ele mesmo. Deve ter facilidades para se tornar melhor, para se continuar a formar. Deve usufruir de tempo, de espaço e de disponibilidade, o que é impossível num ambiente de dúvida constante, sem rumo traçado e que está apenas dependente de resultados numéricos no próximo jogo. No fundo, todo um contexto mais destrutivo do que construtivo, capaz de condenar qualquer escolha ao fracasso e prejudicar o crescimento do clube.

Onde há clareza no plano e honestidade na mensagem e nos comportamentos, há menos espaço para dúvidas. Não só nas grandes decisões, mas também nos detalhes, nos pormenores, tão determinantes e diferenciadores. As visões são partilhadas, as conversas tendem a ser produtivas e viradas para o objetivo comum e perfeitamente identificado. Assim, fica mais fácil estar preparado para eventualidades e deixar o treinador à vontade e tranquilo para trabalhar. Quando a situação é a oposta, o que acontece é o contrário e quem também paga por isso é o treinador, neste caso muito menos defendido e numa posição de fragilidade constante. Evitar isso está nas mãos de quem manda. Nenhuma palavra, nenhuma frase, nenhum comportamento, nenhuma ação deve apanhar o treinador desprevenido e de surpresa, e isso começa logo no processo da contratação. Quantas menos dúvidas tiver, melhor preparado o treinador estará para a função. Quando há um plano, é mais difícil ser traído pelas circunstâncias e é mais fácil encontrar soluções, antecipar os problemas e não ser apanhado desprevenido. O treinador sabe isso, o clube sabe que o treinador sabe e tudo flui.

Claro, fazer tudo bem não garante bons resultados, tal como fazer tudo mal não significa obrigatoriamente maus resultados. Mas as exceções devem ser tratadas e analisadas assim mesmo, como exceções. Fazer as coisas bem aproxima as equipas e os clubes dos objetivos estipulados, aumenta as probabilidades de sucesso. No fundo, é disso que se trata e que todos querem. O jogo é outra coisa. E quando os resultados numéricos não são os melhores, é quem dirige que mais deve refletir no que está a fazer, o que pode melhorar, como pode ajudar o treinador, o que está a falhar: quase sempre são esses que têm as respostas e as soluções.

Vasco Samouco