Hernâni Ribeiro é ‘data scientist’ e co-fundador da ‘Goal Point’, uma empresa pioneira em Portugal na recolha e na análise de dados relacionados com o futebol. Trabalha diretamente com clubes, treinadores e jogadores. Pode conhecer mais do trabalho dele através do Twitter: Tweets by Mathletics1984
Nesta conversa, falámos sobre o impacto dos dados estatísticos no futebol e como eles podem ser decisivos, sempre e quando bem enquadrados e auxiliados pela capacidade humana.
O que já se faz? O que se pode fazer melhor? Em qual vertente é que as estatísticas são mais decisivas? O quê e como fazem os clubes e as equipas que mais beneficiam com elas? Onde terão mais impacto no futuro? Que mudanças implicarão nas organizações? Estas são algumas das questões abordadas durante a conversa e que o Hernâni respondeu.
A entrevista completa está disponível no Youtube.
E agora também pode ouvir as conversas através do podcast Efeito Borboletra, disponível em todas as plataformas.
Em baixo, deixo-lhe algumas das passagens mais interessantes da conversa.
PRINCIPAIS VANTAGENS
“As estatísticas permitem gastar menos dinheiro em jogadores e contratar bons jogadores mais baratos em vez de bons jogadores mais caros. Uma das grandes vantagens dos dados é essa, o encontrar valor e talento antes dos outros e nos sítios mais escondidos. Mas os dados não substituem o que já se faz: o scouting, as relações pessoais, as conversas com os amigos, etc, continuam a ser importantes (para contratar o jogador certo)”.
“Através dos dados mostras que é possível chegar às mesmas conclusões que eles (treinadores, analistas) chegam quando fazem as análises e é isso que faz as pessoas pensar: ‘se sem ver um jogo conseguiram chegar a esta conclusão, se calhar aqui posso poupar bastante tempo de análise e focar-me noutros detalhes’. Eu não preciso de ir ver 100 pontapés de baliza para saber se uma equipa sai mais a jogar curto ou a jogar longo, através das estatísticas percebo isso imediatamente. Parece que não acrescenta valor chegar às mesmas conclusões de quem vê e analisa, mas o facto de conseguires chegar mais rápido pode ser uma grande vantagem”.
“Acho muito interessante a área da prevenção de lesões. Uma das áreas que evoluiu muito recentemente foi a recolha de dados biométricos e físicos dos jogadores, através do uso dos coletes. É possível ter acesso a uma imensidão de dados que, bem utilizados, podem alertas, durante o jogo ou durante a semana de trabalho, que os jogadores estão com cargas físicas demasiado altas e que podem ter um risco de lesão bastante alto. Isso já é feito e pode ter um impacto decisivo na época de um clube”.
“É na área do scouting/recrutamento que os números conseguem ter um impacto mais decisivo. O jogo tem um lado mais caótico que torna difícil medir o impacto das decisões, no scouting é diferente. Mas (o uso dos números) deve partir sempre de uma ideia bem estruturada daquilo que se está à procura, seja um jogador seja um treinador. Se há uma ideia bem definida do que se quer para o clube, essa identificação através dos números de recursos humanos que encaixam nessa ideia pode ser muito facilitada”.
ERROS E FALHAS
“O maior erro é desprezar os dados estatísticos, mas é um erro igualmente gravar achar que só por se comprar um software se está a usar as estatísticas de forma efetiva. É muito importante ter alguém especializado para a interpretar os números, que saiba tirar dos dados o sumo que depois permite trazer essa inteligência para o jogo. Essa pessoa não precisa de ser alguém especialista em futebol, mas tem que ser alguém especialista em análise, em manipulação de dados porque muitas vezes os dados são extraídos de uma forma pouco amigável”.
“O aspecto psicológico ainda é bastante ignorado porque não há muitos dados que possam ajudar (a prever comportamentos ou a traçar perfis). Mas nós (Goal Point), sempre que nos é pedido algum trabalho de recrutamento, investigamos esse lado disciplinar. Saber por que motivo um cartão (amarelo ou vermelho) foi atribuído ajuda a perceber se um jogador tem mais tendência para o conflito. Quando isso acontece, esse alerta vai sempre nos nossos relatórios porque isso pode ser decisivo no sucesso, ou insucesso, de um jogador”.
A IMPORTÂNCIA DA PERCEÇÃO HUMANA
“O input humano continua a ser muito importante, principalmente para avaliar coisas subjetivas, como a capacidade de decisão de um jogador. Para a estatística, um drible no último terço do campo é um drible no último terço do campo e, à partida, é uma ação positiva, mas quando se vê o vídeo esse jogador pode ter um colega completamente sozinho e esse drible pode não ter sido uma boa decisão. Se um extremo tem uma imensidão de dribles no último terço, e até bem-sucedidos, mas se em trinta jogos ele tem esses dribles todos, mas não fez nenhuma assistência, se calhar está aí um indicador que a tomada de decisão não é a melhor”.
“Os dados nunca são irrelevantes, o que os torna irrelevantes ou relevantes é o que tentamos concluir através deles. Se tentarmos concluir que uma equipa criou mais perigo porque rematou mais, aí os dados são irrelevantes; se tentarmos concluir que uma equipa dominou o jogo só porque teve mais posse de bola, os dados são irrelevantes. Mas se cruzarmos os dados de remates em bruto com o real perigo que cada um deles criou… O que torna os dados relevantes é o que extraímos deles”.
O FUTURO
“Não quer dizer que não venha a acontecer, mas ainda tenho alguma dificuldade em associar a Inteligência Artificial ao futebol, porque a IA são algoritmos que aprendem e se ajustam à medida que vão recebendo os dados e isso aplicado ao futebol, sobretudo se não tiver a supervisão de pessoas que percebam o jogo e também o que está por trás dos algoritmos, pode ser mais prejudicial do que benéfico e levar a conclusões erradas”.
“Acho que nunca vamos ter uma máquina a tomar a decisão final, a substituir o treinador, nem era bom isso acontecer, mas num futuro próximo, vejo como possível ter máquinas que podem, através dos dados recolhidos nesse jogo e dos dados já armazenados sobre os jogadores e os treinadores adversário, dar auxílio aos treinadores, dando indicações estratégicas do que ele pode, ou não, decidir fazer”.
“Ainda existe muito espaço para melhorar. Por exemplo, a maioria dos dados que se usam são baseados em ações que os jogadores fazem com a bola e há poucos dados sobre o contexto dessas mesmas ações. E uma boa decisão depende muito desse contexto. Já começam a haver dados que permitem avaliar melhor a ocupação de espaços, movimentações sem bola (ofensivas e defensivas) e saber a posição de cada jogador no momento de cada ação pode ser um grande diferencial”.
“Os jogadores mais jovens já estão muito mais abertos a ter acesso a este tipo de informação, já veem ter connosco à procura das estatísticas. Portanto, mais tarde, quando se tornarem treinadores, vão ser muito mais abertos a este tipo de coisas. Acho que o treinador do futuro pode e deve ser muito mais abrangente e vai incorporar estas ferramentas”.