Patrícia Rodrigues é optometrista desportiva, trabalha com clubes e ajuda jogadores de futebol a melhorar a capacidade de visão. Nesta entrevista, a Patrícia explica o porquê de a visão ser tão decisiva no alto-rendimento e como ela é importante para a chamada “inteligência de jogo”, desconstrói alguns mitos associados a esse sentido dos humanos (“olhar é diferente de ver” e “é preciso aprender a ver”), para além de realçar que a visão pode e deve ser trabalhada e melhorada de maneira a contribuir para a melhoria cognitiva dos atletas. Ao longo da conversa, ainda se falou de Cristiano Ronaldo, capaz de “finalizar às escuras por ver as coisas certas”, de Neymar, “que joga em piloto-automático e por isso tem muitos mais recursos para perceber o que vê” e de Xavi, que “não se limitava a olhar, mas a retirar toda a informação que estava à volta dele durante os jogos”. Em resumo: os futebolistas serão tantos melhores e tomarão melhores decisões quanto mais capacidade de visão tiverem.
A entrevista completa esta disponível no YouTube.
Agora também pode ouvir as conversas através do podcast Efeito Borboletra, disponível em todas as plataformas.
Em baixo, deixo-lhe algumas das passagens mais interessantes da conversa.
A IMPORTÂNCIA DA VISÃO
“80% da informação que qualquer atleta recolhe para ser processada de forma a criar o gesto motor que quer fazer a seguir vem da visão. 9% é informação auditiva e 11% são provenientes dos restantes sentidos. 80% é muito e isso pode trabalhar-se e melhorar-se”.
“Há dois conceitos que são totalmente diferentes e que ainda se pensa que são similares, mas ver bem não é a mesma coisa que ter uma boa visão. Ver bem é conseguir ver umas letras ou um objeto que está distante, já a visão é muito mais complexa. A visão é um estímulo visual que segue todo o caminho ótico e é processado depois no cortéx visual primário que por sua vez desencadeia uma resposta ao que estamos a ver. Há muitas pessoas e desportistas que vêem bem, mas que têm uma péssima visão”.
“Um futebolista necessita de estar constantemente com o sistema visual a funcionar e no final dos jogos já não tem a mesma velocidade de reconhecimento, o mesmo tempo de reação ou a mesma perceção do que está a passar”.
COMO MELHORAR A VISÃO
“Numa avaliação normal para se ver bem, estamos sentados, parados, a ver umas letras que também estão paradas. Já quando falamos de desporto, tudo tem movimento, a bola, os colegas, os adversários, o árbitro… A própria bancada com adeptos, faz ruído, não só auditivo, mas com muito informação visual. Temos que adequar e enquadrar as avaliações à modalidade que os atletas praticam. As exigências para um jogador de ténis são diferentes das de um jogador de futebol”.
“A visão precisa de treino. Os nossos olhos têm muitos músculos que nos permitem ver. Há estudos que mostram que com treino é possível melhorar a visão em 30% e 30% é muito”.
“Um estudo recente diz que há uma área do cérebro que está em desenvolvimento e pode criar aprendizagem até aos 37 anos e é o cortéx visual primário. Por isso, através da visão – não só em camadas jovens mais também em jogadores mais velhos – conseguimos, com treino, alterar um padrão que esteja errado e melhorá-lo”.
“Nem tudo aquilo que se vê está realmente a ser processado. Nem tudo o que cai no nosso campo de visão nós conseguimos ver. Portanto, é preciso aprender a ver e a recolher a informação que é importante”.
O QUE DISTINGUE OS JOGADORES COM BOA VISÃO
“Há cinco anos foi feito um estudo com o Neymar, em que o cérebro dele era comparado com os cérebros de mais dois atletas profissionais, um atleta amador e dois nadadores. Foi medida a atividade cerebral deles e a diferença era enorme. A energia que o Neymar precisava para realizar qualquer gesto com os pés era insignificante comparado com os restantes. O que isso quer dizer é que quando o Neymar está em campo é como se estivesse a jogar em piloto-automático, por isso ele consegue ter muito mais liberto qualquer outro recurso para perceber todas as outras coisas do jogo. Ele não consegue só ver essas coisas, também as percebe, daí ter um rendimento muito mais elevado”.
“Um dos casos que mais fez despertar o interesse pela visão foi o Xavi (Barcelona). O Xavi não tinha as características técnicas, táticas e físicas, mas o clube fez um enorme trabalho de treino ele vazia varrimentos oculares (rodar a cabeça) do início ao fim do jogo. Mas o Xavi não se limitava a olhar, ele via e retirava toda a informação do que estava à volta dele. Ele primeiro decidia o que ia fazer e só depois é que recebia a bola. A visão dele estava acima de todos, era uma supremacia. Numa análise que lhe fizeram, ele, em 90 minutos, fez 804 varrimentos oculares”.
“Há um documentário sobre o Cristiano Ronaldo em que numa parte apagavam as luzes depois de um cruzamento e ele tinha que rematar às escuras e ele conseguia fazer isso. O Ronaldo só precisava da informação da bola a sair do pé de quem estava a fazer o cruzamento, porque mesmo com a luz apagada ele já tinha recolhido toda a informação de que precisava, não precisava de ver a trajetória da bola. Ou seja, definiu o que era essencial e o que era acessório”.
REDES SOCIAIS E A TOMADA DE DECISÃO
“Um estudo chegou à conclusão que estar 30 minutos a olhar para um smartphone e para as redes sociais causa uma fadiga mental que afeta a tomada de decisão. O rendimento em jogo diminui drasticamente”.
“Outros estudos mostram que quando estamos em frente a essas aplicações (Instagram, Facebook, Twitter), estamos a trabalhar o córtex frontal, que é responsável pela tomada de decisão e pela avaliação tática. Ou seja, se o córtex frontal estiver cansado não faz a passagem correta da informação para a parte motora”.