Duarte Araújo é professor, escritor e investigador nas áreas da performance desportiva, coletiva e individual, e das neurociências. Nas palavras do próprio, tem um grande interesse “na nossa inteligência na ação, ou seja, no modo como resolvemos as situações com que nos deparamos com a nossa própria ação, em particular a dos desportistas”.
Nesta conversa, entre outras coisas, abordou e aprofundou:
- A complexidade da tomada de decisão e os três passos que ela envolve;
- Como pensamento e ação andam sempre de mãos dadas (“ecological cognition”);
- Como o futebol pode tirar mais partido de todas as ciências que gravitam à volta dele (“interdisciplinaridade”);
- Como os treinadores podem ajudar os jogadores e que erros devem evitar na elaboração e na operacionalização dos treinos (“mais problemas do que soluções”);
- A importância decisiva das relações/ligações para unir o individual e o coletivo;
- Os perigos associados ao “temos que ganhar”;
- O projeto inovador do AIK (Suécia) para formar jogadores juntando a vertente desportiva com a social, integrando os pais no processo e fomentando códigos de conduta (“passar com respeito”);
“O pensamento é o modo como se resolvem problemas. Um jogador expressa o seu pensamento no modo como atua no jogo, como dribla e como finta, como passa, como se posiciona. A visão mais tradicional defende que se pensa primeiro e age-se depois, mas acredito mais nesta visão incorporada e ecológica da cognição que diz que nós temos que pensar de corpo inteiro e que o nosso pensamento esteja sempre altamente condizente com o nosso comportamento. A separação entre pensamento e ação coloca a necessidade de ter a solução antes dela acontecer e isso, de algum modo, restringe a criatividade e a possibilidade de encontrar soluções que antes não foram pensadas”.
A entrevista completa está disponível no YouTube e também pode ser ouvida através do podcast ‘Efeito BorboletRa’.
Abaixo, deixo algumas passagens da conversa.
“A tomada de decisão é um processo corporal. Ou seja, o raciocínio é feito com todo o corpo e na interação que se faz com o meio. Não é uma decisão que está na cabeça e se manda o corpo fazer, mas um processo de perceção, ação e resolução, de acordo com as condições que se lhe apresentam”.
“Se entendermos a tomada de decisão a este nível relacional, como algo que não é prévio, mas que ocorre na interação com o meio, então acredito que o processo passa por três passos: a educação da intenção, a afinação da atenção (percetiva) às fontes de informação mais relevantes e a atuação/calibração do movimento à informação que o contexto fornece. Um exemplo muito simples: fazer um bom passe não tem a ver com força, mas com a força necessária para a bola chegar ao sítio certo. Ou seja, não é ter uma coisa à priori (a força), mas ajustá-la ao que a situação pede”.
“Não separaria o físico do cognitivo. Temos é que trabalhar o físico cognitivamente, que todo o trabalho que se faça em treino seja de corpo e mente simultaneamente. Para mim, não faz sentido haver exercícios em que o cérebro não participa e haver exercícios em que o cérebro participa. Todos os exercícios podem e devem ter trabalho de intencionalidade”.
“Os fenómenos desportivos são fascinantes do ponto de vista das atividades humanas e beneficiam muito quando as ciências começam a ligar-se umas às outras e com abordagens mais interdisciplinares e acho que todo esse caminho, o da interdisciplinaridade, ainda tem que acontecer. É o passo mais importante, o de deixar de haver uma abordagem unidisciplinar e ser interdisciplinar”.
“Embora a equipa atue como um todo, existem grupos com funções diferentes e esta lógica intermédia entre o indivíduo e a equipa tem os grupos no meio e esses grupos também podem ser trabalhados, não só no sentido das funções táticas, mas também no sentido da sua heterorregulação, isto é, o modo como, entre eles, os jogadores desses grupos se regulam uns aos outros”.
“Se eu estou focado no ‘tenho que ganhar’, quer dizer que estou focado num aspeto que não depende só de mim porque a vitória resulta da interação com o adversário e ao fazer isso não estou a focar a minha atenção naquilo que eu posso fazer. Os jogadores devem estar centrados naquilo que eles podem fazer. O ganhar é sempre uma consequência de eu atuar ao melhor nível naquilo em que eu devo estar atento no jogo. É preferível que os atletas se foquem no que podem fazer. Pensar só no ganhar estamos a tirar do foco do atleta aquilo em que ele pode atuar”