É uma pergunta recorrente, e talvez nunca foi feita tanto nem nunca tenha tido tanta relevância como agora: sempre que um clube procura um treinador, levanta-se a questão do perfil. Que perfil procura ou qual o perfil que mais se adequa ao projeto. O problema, do meu ponto de vista, é que esse perfil, sem dúvida importante para definir alvos e decidir escolhas, normalmente é traçado de maneira incompleta, sem profundidade suficiente e com pouco cuidado.
Um treinador já não é (alguma vez foi?) a ideia de jogo que tem, os treinos que dá ou o tipo de jogador que prefere e aposta, por isso resumir o perfil de alguém a, por exemplo, “o clube X quer um treinador com um estilo de jogo positivo” ou “o clube Y procura um treinador que aposte em jovens” é tremendamente incompleto. Mais do que isso, é não analisar como deve ser e descuidar características importantes que tornam um treinador mais ou menos competente, mais ou menos confiável.
Imaginemos um clube que está nas competições europeias. Numa semana cheia, o treinador dessa equipa fala quatro vezes com os jornalistas. Ou seja, em quatro dias da semana é a voz do clube e essas intervenções são mais do que uma simples troca de perguntas e respostas; é o clube que está ali representado, pelo que tudo o que o treinador diz é associado ao clube, é o clube a falar, é uma declaração de intenções coletiva, é toda uma imagem que passa cá para fora. Deve ser isto negligenciado quando o tal perfil é construído? Durante uma época desportiva, não são os jogadores, nem os dirigentes, nem sequer o presidente que falam mais. É o treinador.
O treinador é, portanto, mais do que o homem responsável por treinar equipas e jogadores. É a cara de um clube, de uma equipa, até de uma ideia e de uma forma de pensar. Mas o treinador é ainda mais do que isso. É um líder, por isso a sua capacidade de liderança não pode ser ignorada. É um gestor, de modo que a maneira como gere e se relaciona é importante. É uma influência (porventura, a maior) em todos os que o rodeiam e um exemplo: tudo o que ele faz, mostra ou diz tem sempre consequências, positivas ou negativas.
E não é só isso. O treinador não lida só com os jogadores. Lida com outros treinadores (a equipa técnica), com dirigentes, com equipas médicas, com tratadores da relva, com funcionários de todo o tipo e, de maneira consciente ou não consciente, tem influência em todos eles. Os treinadores também lideram, lidam com a vitória e a derrota, influenciam, comunicam, dão a cara. E os clubes devem ter tudo isto em conta quando se decidem pela pessoa que contratam para o cargo.
O Liverpool é um dos exemplos mais impressionantes de um clube que percebeu que o perfil do próximo treinador tem que abarcar qualidades que interfiram positivamente fora do campo e o impacto que alguém transformador a esse nível pode ter na evolução de um processo. Jurgen Klopp não mudou uma equipa, mudou um clube e todo o contexto envolvente. Marcelo Bielsa, no Leeds, é outro exemplo paradigmático: quem escolheu o treinador argentino sabia que ele ia mexer com tudo e bem para lá do campo.
Os treinadores têm este poder (responsabilidade quase), mas poucos o conseguem. Culpa deles, mas principalmente dos clubes que, por não saberem ou não quererem, não os escolhem tendo tudo isto em conta.
Neste sentido, os próprios treinadores devem perceber que o perfil de cada um é muito mais do que aquilo que se passa no campo, seja nos treinos ou nos jogos. É tudo o que fazem e dizem, é como se comportam, como reagem ou como lidam com as situações e as pessoas. O perfil é tudo isto. Sim, podem preferir um estilo de jogo mais ofensivo ou mais defensivo, mas quantos não há que têm essa mesma visão? Também podem dar treinos muito bons, mas, mais uma vez, quantos mais há que também dão treinos muito bons? Será isso que os tornará diferentes e fará deles a escolha certa?
Então, do que falamos, ou devíamos falar, quando falamos do perfil de um treinador? O primeiro passo é perceber que o treinador é mais do que alguém que simplesmente dá treinos e joga de determinada maneira.