Definir objetivos: o que se quer é diferente do que se pode

17 de Setembro, 2020 - 3 mins de leitura

A criação de um plano e de qualquer projeto nasce de dois pressupostos determinantes, e que são o ponto de partida de tudo: 1) onde se está; 2) onde se quer chegar. Mas o que separa o ponto 1 (o início) do ponto 2 (o fim) é composto por todo um mundo de desafios, de percalços, de conquistas indispensáveis e pela definição e concretização de outros objetivos sem os quais alcançar aquilo que está identificado como a meta é muito mais difícil.

Neste sentido, pensar a médio e a longo-prazo não significa, nem pode, descurar o curto-prazo porque é aquilo que se faz continuamente, passo a passo, que vai dizer se os objetivos traçados para um espaço temporal mais longo serão conseguidos, se, no mínimo, são lógicos, alcançáveis e compatíveis com o processo que se está a desenvolver, ou se, pelo contrário, devem ser repensados e ajustados.

Ou seja, um plano e um projeto são feitos tendo em consideração vários objetivos, uns mais ou menos imediatos, outros mais ou menos distantes, mas que surgem sistematicamente e que exigem respostas adequadas. Como tal, têm expectativas associadas, nas diferentes alturas e nos diferentes contextos do processo, e geri-las é, por isso, fundamental para evitar erros, passos em falso, palavras fora do lugar e decisões desenquadradas. Ao mesmo tempo que é preciso ter todo o cuidado para nunca esperar de mais – pode resultar em passos atrás e até, no pior dos casos, condenar um projeto –, também é preciso ser-se suficientemente ambicioso para evitar o conformismo, para potenciar o entusiasmo e para continuar a crescer.

A gestão de expectativas é algo essencial para qualquer clube/equipa/organização ter um rumo a seguir, um processo a evoluir e uma ideia para alimentar. É a diferença entre não se precipitar quando as coisas correm muito bem e não desarmar quando as coisas correm mal. É fundamental para se ter sustentabilidade, para pensar com clareza, para manter os pés no chão, para estabelecer objetivos alcançáveis e para tomar melhores decisões, que não estejam nubladas por uma ambição desmedida, incoerente e pouco fiável. Querer mais do que se pode fazer, num determinado momento, é o primeiro passo para perder o norte, desviar-se do caminho traçado e correr riscos desnecessários.

As expectativas (e, de alguma maneira, os objetivos) também têm que ter em conta a concorrência – que um clube português tenha a expectativa de ganhar a Liga dos Campeões tendo em conta as diferenças, a todos os níveis, para clubes ingleses, alemães, espanhóis ou italianos, faz pouco sentido. As expectativas, portanto, devem ser estipuladas depois de se analisar o que nos rodeia, os contextos próprios e alheios e após uma análise profunda que permitirá mais clareza para perceber o que se pode conseguir e o que dificilmente será conseguido.

Em cada momento, em cada situação, é necessário ter/estabelecer prioridades, sempre tendo em conta o que já foi feito e o que ainda falta fazer para chegar onde se quer, ao tal grande objetivo, e sempre acompanhado de um discurso compatível com a situação atual e com as metas que se seguem. As palavras têm consequências, mais do que se possa imaginar: podem colocar pressão em demasia ou aliviar a pressão, podem estimular e incentivar ou podem constranger. A mensagem tem sempre resposta, por isso cuidado.

O caso do Benfica (cuja eliminação de Liga dos Campeões me levou a esta reflexão) é paradigmático de uma deficiente gestão de expectativas, com consequências imprevisíveis, se calhar nem sequer ponderadas. Pensar em ter bons resultados europeus numa altura em que nem sequer se consegue ter bons resultados nas competições nacionais é ter as prioridades trocadas, é querer já o topo quando ainda nem sequer se conseguiu chegar a meio.

Não que não seja importante noutros momentos, mas gerir expectativas tem tudo para ser decisivo nas alturas em que tudo parece correr bem e em que tudo aparenta estar no caminho certo e não ser possível falhar ou perder. É aí que é preciso baixar os níveis de euforia, de alguma forma relativizar e seguir fiel ao que está planeado, sem querer saltar etapas. Um bom resultado, surpreendente e improvável, pode fazer acreditar que se podem conseguir coisas ainda maiores e é aí que a guarda baixa e os erros acontecem. Gerir expectativas quando se faz grandes investimentos, grandes contratações e quando se conseguem resultados acima do previsto é estar um passo à frente.

Acredito que mais vale pecar por defeito na ambição e superar as expectativas do que pecar por excesso e ficar aquém; é preferível começar com pouco e ir crescendo paulatina e sustentadamente do que querer logo muito e ficar desiludido. Até porque quem não concretiza objetivos quando a exigência é menor também não está preparado para lutar por objetivos mais altos.

Vasco Samouco