Scouting: mais nem sempre é melhor

21 de Maio, 2020 - 5 mins de leitura

Sou um clube pequeno, com o dinheiro contado ao cêntimo, praticamente sem margem de manobra do ponto de vista financeiro e cheio de dificuldades para pagar as contas mais urgentes. Não sou diferente da maioria dos clubes de todo o Mundo. Mas, ainda assim, quero apostar no ‘scouting’, escolher melhor e melhores jogadores, diminuir a margem de erro nas contratações e tirar proveito, desportivo e financeiro, disso. Como faço?

Quando se fala em ‘scouting’, vem-me sempre esta questão à cabeça e por isso tenho refletido sobre ela em busca de possíveis soluções.


‘Scouting’ não é “encontrar o melhor jogador”, mas sim “encontrar o melhor jogador que podemos ter” e esta diferença, aparentemente irrelevante, mas significativa, deve ser o ponto de partida para qualquer estratégia de recrutamento, seja ela qual for, tenha ela os recursos que tiver e os objetivos que tiver. Por isso, ‘scouting’ não significa o mesmo para clubes diferentes – não pode. Exige adaptações, escolhas, decisões, cedências, prioridades e tudo isto deve ser moldado ao contexto. ‘Scouting’ não tem que se traduzir em investimentos avultados porque, simplesmente, isso é impossível para muitos clubes. Tem que ser adaptado.

Os grandes e ricos têm mais argumentos, logo mais abrangência, um maior raio de ação e mais escolha à disposição, mas isso não quer dizer que os pequenos, modestos e pobres não possam também apostar e rentabilizar o ‘scouting’. Não só podem como devem, mas sempre com a noção de que o modelo tem que ser completamente diferente, quase único de caso para caso e de realidade para realidade, ainda mais quando comparado com clubes mais poderosos. Replicar o que fazem os outros tem tudo para não só ser ineficaz como se transformará num gasto, de tempo, de dinheiro e de disponibilidade, sem grandes proveitos.

Podemos discutir se é a melhor estratégia, se as prioridades não podiam ser trocadas, mas a verdade é que a maioria dos clubes – em Portugal também – tem recursos, a todos os níveis, muito limitados e, quase sempre, despesas financeiras mais urgentes (acreditam eles) do que investir no recrutamento de futebolistas. Nada, ainda assim, que deva inviabilizar o ‘scouting’: mesmo com as maiores das limitações, continua a ser possível identificar alvos apetecíveis, diminuir o risco e acertar mais nos jogadores contratados.

Um dos principais objetivos dos clubes – de todos, mas principalmente dos que têm menos dinheiro à disposição – deve ser otimizar e rentabilizar ao máximo os recursos que têm, sejam financeiros, estruturais e humanos, e o ‘scouting’ também deve ser enquadrado nesta política. Reservando-nos às realidades mais modestas, não poder observar muitos jogadores e não conseguir explorar vários mercados não tem, necessariamente, que ser uma coisa má. Muitas vezes, até é bom. Concentra as opções. Pode ser mais rentável, mais produtivo e com menor margem de erro.

‘Scouting’ resume-se a identificar alvos e selecioná-los até só restar o jogador ideal. E se nos clubes com maiores departamentos e mais dinheiro, estas etapas de seleção são várias (porque eles podem estar em vários mercados e encontrar incontáveis jogadores, que depois têm que ser analisados e selecionados), pelo contrário, nos clubes mais limitados, parcos de recursos e de visibilidade, estas etapas devem ser as menos possíveis. Há que poupar tempo e dinheiro, simplificar a oferta e diminuir as dúvidas.

Neste sentido, acredito que, na maioria dos clubes, o ‘scouting’ tem mais a ver com concentrar do que com dispersar. Isto é, estar em muitos sítios e abranger muitos jogadores implica investimento e disponibilidade grandes, e o que acontece é que essa estratégia, aparentemente acertada e convincente, terá dois problemas: a concorrência de clubes mais fortes será maior quanto mais mercados se analisar e consequentemente será mais difícil conseguir contratar os jogadores que se descobre. Não convém estar onde a concorrência de clubes do mesmo nível e até superiores é muito apertada porque a taxa de sucesso reduz-se drasticamente e o investimento dificilmente é recompensado.

Com concentrar quero dizer estabelecer prioridades, definir requisitos obrigatórios e identificar mercados convenientes logo à partida. Isto resultará numa filtragem importante desde o início do processo, que imediatamente diminua drasticamente as opções e os possíveis focos de observação. Acredito que quem tem e quem pode menos, deve trabalhar com uma base de dados pequena, mas ao mesmo tempo muito específica e certeira.

Isto parte do princípio, para mim fulcral nos clubes mais limitados, de que as soluções, os jogadores observados e identificados, não têm que ser muitos, mas devem todos eles, ou, no mínimo, a maioria, estar ao alcance de se transformarem em contratações e de poderem ser enquadrados, desportiva e financeiramente, no projeto em questão. Há que evitar ao máximo o “este jogador é muito bom, mas não é bom para nós (seja porque razão for)”. O que fazer de maneira a não desperdiçar recursos para chegar a esta conclusão é fundamental.

Os clubes devem estabelecer mercados que lhes permitam acumular conhecimento nesse mercado em concreto, controlar mais talento passível de ser contratado, diminuir as escolhas (mais oferta, mais dúvidas, mais chances de falhar e menos segurança na decisão) e evitar o máximo de concorrência possível. Estar em muitos sítios sem os meios adequados, dispersa atenções e significa menos controlo.

Se não é possível – e, como já vimos, até pode ser improdutivo – observar muitos jogadores, então foquemo-nos nos que estão dentro das nossas possibilidades. Para isso, convém estar nos mercados apropriados – e estes podem ser pensados e ‘construídos’ pelos clubes, com requisitos como idade, nacionalidade, proximidade, perfil, evolução na carreira, valor de mercado, etc, etc: estar nos mercados certos significa mais probabilidade de se conseguir ficar com os melhores desses mercados.

SABER O QUE SE QUER SEMPRE

Outro ponto fundamental na tal otimização dos recursos disponíveis é saber o que se quer sempre, em todos os momentos, sem que isso varie consoante as necessidades, os resultados, os gostos dos treinadores, etc. Se o que queremos é não perder tempo nem dinheiro, então é essencial que saibamos sempre do que andamos à procura e que não haja dúvidas sobre se o jogador X se encaixa ou não no que o clube pretende: todos os jogadores observados têm que ser adaptados ao que se quer.

Não é preciso existir um perfil único, imutável, de jogador e viver (observar) agarrado a isso, mas é necessário, obrigatório, diria, haver um conjunto de características e qualidades (futebolísticas e não só) que sejam inegociáveis e indispensáveis para um jogador caber no projeto e na ideia do clube. Isto permite ir acumulando alvos e informação e ter capacidade, e qualidade, de resposta quando for necessário.

Esta abordagem também entra na tal necessidade de ‘construir’ um mercado adequado ao contexto. E a terminar, saliento a importância deste ponto. Os clubes devem ‘fazer os mercados’ que vão privilegiar, definir o que querem explorar, estabelecer requisitos, regras e prioridades que lhes garantam mais possibilidades de êxito nesse processo.

Vasco Samouco