Das conversas que tenho mantido com treinadores, há um padrão que se começa a consolidar e a generalizar: é assustador notar como a todos eles é comum a desilusão em relação ao meio que os rodeia. Como se sentem desvalorizados, desrespeitados e descartáveis. Tenho dúvidas, até, que, na maioria, o entusiasmo pelo jogo e pela profissão ainda seja superior a esse sentimento de descontentamento. Revolta, até. Deviam ser das pessoas mais importantes num clube de futebol e, no entanto, sentem-se mal tratados e denegridos.
Não é algo surpreendente para mim, mas sentir isso tão claramente nas palavras de quem está nessa pele, a maioria deles ainda jovens e em início de carreira, foi tão impactante quanto revelador do estado a que as coisas chegaram neste particular. Os treinadores são, realmente, o elo mais fraco, diminuídos na sua importância e, por isso, estão sujeitos aos contextos mais adversos e uma carreira (e vida) dada à maior instabilidade.
Os contratos tão depressa se fazem como se desfazem. Não chega treinarem bem; não chega fazerem evoluir os jogadores e os clubes; não chega fazerem as equipas jogarem bem; às vezes, até alcançar objetivos é insuficiente. O mau, por ínfimo que seja, vai sempre superar o bom. E o bom, na maioria das vezes, não garante a evolução pretendida e o salto significativo tão esperado. Salvo raras exceções, ser treinador é uma carreira condenada à mera sobrevivência (enquanto há forças para tal), que tira muito mais do que dá.
Cada vez mais vezes, pergunto-me o que leva alguém a querer ser treinador. A sujeitar-se a tanto; a conviver diariamente com a incerteza; a ter, sempre, a cabeça a prémio; a não ter garantias; a ter que conviver com a pressão constante do jogo seguinte; a saber que hoje está num sítio e que amanhã pode estar a centenas de quilómetros daí; a ter que ser o mais profissional numa indústria onde o profissionalismo (das pessoas, dos projetos e das organizações) ainda é frágil. Definem-se treinadores, mas o que são é milagreiros. Porque é de milagres que quem os contrata está à espera. Fazer muito com nada; ajudar 25 jogadores sem ser ajudado; e sempre tendo a perfeita noção de que a qualquer altura serão descartados.
Agora que os famosos cursos voltam a estar na berlinda, é importante perceber que esse é um problema de um mal muito maior e mais profundo. Não são os cursos que tornarão um treinador mais competente e mais bem-sucedido. Decisivo para isso, para além da qualidade de cada um, são as condições que lhes são dadas para eles fazerem bem o trabalho para o qual são escolhidos. Decisivo é respeitá-los, dar-lhes valor e apoiá-los. No mínimo, que não lhes seja tirada a ilusão e o ânimo de continuar a contribuir para algo que valha realmente a pena. Os treinadores precisam de apoio e de ajuda, mas essa ajuda continua a tardar e a ser desvalorizada.
Quando penso numa equipa que quer ter sucesso e crescer, é o treinador que emerge como a figura mais importante e mais decisiva para esses objetivos serem alcançados. É o treinador que faz a equipa render mais; é o treinador que melhora os jogadores; é o treinador que valoriza os ativos. A diferença entre um bom e um mau treinador ou entre um treinador ajudado e outro que não o é, é significativa e tem consequências sérias.
E o curioso é que muitas das decisões tomadas pelos dirigentes em relação aos treinadores indica isso mesmo. Sim, são despedidos porque “é mais fácil despedir uma pessoa do que dez ou 20” e daí são vistos como “o elo mais fraco”, mas isso só acontece porque se acredita que um novo treinador tem o poder de transformar tudo, melhorar os resultados e tornar a equipa mais forte. O mais estranho não é despedi-los; é ter consciência de que eles são importantes, mas fazer-se pouco ou nada para os ajudar a ter essa importância.
Quem quer ser treinador já sabe para o que vai e tem noção plena de que está numa posição de fragilidade e de insegurança. E isso também acaba por ser um problema: para eles, para quem os contrata e para o futebol em geral. Sem segurança, sem paciência, sem apoio e sem garantias, é normal que as prioridades dos treinadores também mudem e que as decisões sejam condicionadas por esse contexto desfavorável. A partir daí é uma bola de neve de escolhas, opções e comportamentos mais preocupados com outros fatores que não o jogo, o treino e a carreira a médio e longo-prazo. Desvalorizados, também os treinadores começam a desvalorizar coisas que deveriam ser importantes e a valorizar aspetos que deviam ser secundários.