Pensar o futebol, e tudo o que o envolve, como um todo já é e será ainda mais decisivo para a sua sustentabilidade, como indústria e atividade competitiva em geral, e dos clubes em particular. Há várias formas de o fazer e a centralização dos direitos televisivos é um passo nesse sentido, embora nesse caso apenas se olhe para o topo da pirâmide, para os emblemas principais. E mesmo assim, é provável que o impacto dessa medida seja mínimo, quase insignificante, numa perspetiva de médio e de longo-prazo.
O produto que se oferece, os jogos e a qualidade dos mesmos, a incerteza nos resultados, a relação entre despesas e receitas, tudo isso está relacionado com sustentabilidade e pode ajudar ou prejudicar os clubes, dependendo do que for feito e dos objetivos definidos. Mas há outro aspeto que tem tudo para ser ainda mais diferenciador quando pensamos em como tornar o produto mais apetecível e os clubes mais sérios, mais credíveis, mais apoiados, mais preparados e, consequentemente, mais fortes financeira e desportivamente: a esperança num futuro melhor, a ambição de querer mais, a perspetiva de chegar mais longe ou a simples possibilidade de se pensar “podemos conseguir”. Tentar viver em vez de lutar para sobreviver, no fundo.
Neste sentido, há algo de que se fala (muito) pouco e que, no entanto, me parece decisivo para ir de encontro à tal sustentabilidade tão urgente: os quadros competitivos. Os formatos dos campeonatos têm potencial tremendo para serem determinantes nesse objetivo de criar valor, se forem encarados como algo mais do que um mero sistema. Porque são os jogos, o ganhar e o perder, o descer de divisão ou o subir, as emoções dos jogos decisivos que atraem atenção, que criam receitas, exigem preparação, conhecimento e profissionalismo, e por isso se tornam apetecíveis. É importante, então, criar condições para haver mais possibilidades de derrotas, mas, principalmente, mais hipóteses de vitórias e de sucesso.
Olhar para cima
Como se leva alguém a investir num clube, seja dinheiro, tempo ou simples boa-vontade, seja direta ou indiretamente, e a ligar-se e a interessar-se por uma causa, se não lhe são garantidas as mínimas possibilidades de pensar em algo maior e melhor? O Campeonato de Portugal é um bom exemplo: no fim de cada época, só duas equipas entre 72 é que chegam à 2.ª Liga. Como se incentivam clubes a trabalharem para evoluir, a pensar em crescer e a ambicionar mais, com este panorama tão castrador? Não pode haver esperança se não há perspetivas de crescimento.
Não é a diminuir o número de equipas que sobem ou descem de divisão que se alimenta a ambição nos clubes e se provoca investimentos maiores mas cerebrais e projetos mais sérios e mais pensados e que se promove a sustentabilidade. Se a quem quer subir lhe forem cortadas possibilidades, então, por um lado, o normal é haver desânimo e perda de interesse; por outro, isso vai contribuir para alguns pensarem e acreditarem que só investindo mais e mais dinheiro conseguirão essa promoção, ficando mais perto de cometer erros, de não olhar a meios para atingir os fins, de apostar no êxito imediato e da colocar em risco a sustentabilidade.
Mais possibilidades e mais oportunidades para se subir de divisão, para se lutar pela permanência ou para chegar às competições europeias é um bálsamo de esperança e de ambição no início de cada temporada. É dar forças para começar outra vez. É ajudar a criar e a alimentar a ideia do “podemos conseguir” e a não resignar os clubes a um “é muito difícil, quase impossível” desanimador. É a diferença entre ter uma perspetiva de crescimento, de evolução e de convicção de que fazer as coisas bem pode ser recompensador ou não.
Que todos os jogos contem
Um dos pontos fundamentais para tornar os clubes mais e melhor preparados, mais atentos, mais responsáveis, mais exigentes e, assim, mais fortes é dar-lhes, na medida do possível, objetivos pelos quais lutar. É obrigá-los a serem fortes e competentes do princípio ao fim e não contribuir para que cheguem aos últimos jogos já com o trabalho feito, como acontece muitas veze em muitos campeonatos.
Encontrar formas de não haver – ou, no mínimo, reduzir – espaço para abrandar, para desinvestir e deixar de procurar mais coisas, é, por isso, essencial. Quando apenas descem duas equipas em 18 e só cinco podem alcançar lugares europeus, isso quer dizer que muitos não terão nada de importante e palpável para alcançar e vão limitar-se a cumprir calendário nos últimos jogos. Se descem só duas equipas, não será preciso um investimento nem um trabalho assim tão bom e tão grande para evitar a despromoção. Manter essa luta em aberto o máximo de tempo possível, aumentando o número de descidas que, consequentemente, aumentaria o número de subidas, por exemplo, exigiria mais dos clubes, a todos os níveis.
Mais incerteza, mais atenção
Outro pormenor relevante para fazer com que “todos os jogos contem” tem a ver com a incerteza inerente ao resultado final e como isso tem consequências em tudo o que gira em torno da indústria. Mais incerteza significa mais atenção e mais atenção significa mais adeptos, mais cobertura televisiva, mais curiosidade, mais rivalidade, mais interesse de empresas/empresários, mais dinheiro.
Os jogos e os campeonatos devem ser pensados e vistos também como uma fonte de rendimento e organizados de maneira a promover uma competição que provoque o máximo de atenção mediática possível, que cative patrocinadores, apoios, comunidades e empresas locais.
Diminuir custos e não só A questão geográfica e toda a logística associada a deslocações grandes deve ser, sempre que possível, tida em conta na criação dos quadros competitivos. E ajustada ao máximo. Pensar numa 2.ª Liga dividida em duas zonas, por exemplo, não traz apenas mais-valias desportivas (mais competitividade, mais hipóteses de sucesso, etc), também diminui encargos que são uma fatia importante das despesas anuais dos clubes, como deslocações e estágios. Se dá para adaptar e com isso ajudar os clubes, então deve-se pensar nisso. Ou fará sentido, ter o Chaves a jogar em Portimão? Quantos adeptos do Mafra vão ver um jogo a Penafiel ou vice-versa?
O fator geográfico também é um problema para uma indústria e um futebol que tem (ou devia) que pensar e alimentar-se dos adeptos. Quanto mais concentrada for a competição, mais adeptos irão aos estádios porque estão perto de casa, e quanto mais adeptos no estádio, mais… Já perceberam a ideia, certo?
Mudar a tomada de decisão
Acredito que um dos grandes entraves à evolução do futebol (português) está relacionado com o facto de todas as decisões mais importantes serem tomadas pelos clubes. A tendência é, por isso, óbvia: cada um olha primeira para ele mesmo, depois para ele próprio e só depois para o resto. E isso é um problema significativo, que impede olhar para o todo como algo prioritário. Se o todo for melhor, todos ganham. Se só ganharem alguns, a maioria perde.
Quem deve tratar, analisar e tomar as decisões de fundo no futebol devem ser pessoas autónomas dos clubes, sem ligações e sem preocupações clubísticas e preocupadas apenas e só em estratégias sobre como tornar o todo (o produto) melhor, mais sustentável e mais atrativo.
Pensar no futebol (ou outro desporto qualquer) na generalidade é essencial para o melhorar, para o fazer crescer e com isso ajudar e facilitar a vida aos que vivem nele e dele. Aos clubes, cabe-lhes olharem para eles e tratarem deles mesmos, sem hipotecar e prejudicar os restantes, e se isso for enquadrado num contexto em que há alguém e algo que pense a indústria e o produto a outro nível, as vantagens são imensas.
Conclusão
Claro, tudo isto perde importância e deixa de ter caráter revolucionário, se os maiores problemas não forem atacados e resolvidos. Sem credibilidade, nada faz sentido. Acredito que os quadros competitivos e a maneira como as competições são pensadas e organizadas podem ser importantes para a sustentabilidade, financeira e não só, dos clubes, mas primeiro há que impedir coisas tão importantes como a entrada de investidores duvidosos e com planos suspeitos, erradicar os salários em atraso e punir quem não cumpre as obrigações mínimas.
No fundo, há que tornar o produto credível para depois se pensar em torná-lo apetecível e dotá-lo de perspetivas de crescimento.