“Quando acreditávamos ter todas as respostas, logo mudaram as perguntas”, Mario Benedetti
O título deste texto é emprestado de um livro que estudou a fundo os comportamentos e as mentalidades que levam empresas e trabalhadores a terem sucesso e que chegou a uma conclusão: “Os melhores gestores contradizem todos os manuais da boa gestão”. Basicamente, questionam o pré-estabelecido, os preconceitos e o que é tido como verdades absolutas (embora sem fundamento prático e cientificamente comprovadas), para chegarem a conclusões e tomarem decisões baseadas nessa forma de pensar.
Sejam quais forem esses manuais e essas regras, não quer dizer que estejam errados com certezas absolutas e sempre ou que, em diferentes alturas, não fizessem (e não façam) sentido e não resultassem em carreiras e empresas bem-sucedidas. A grande questão é que é impossível (as regras) serem universais e garantia do que quer que seja porque não estão imunes às mudanças sociais, cívicas, políticas, tecnológicas, financeiras ou, como é o caso, desportivas. Isto é: as “regras” devem ser ajustadas e isso só é possível quando há questionamento e análise permanente.
Luís Miguel Cintra (Expresso): “Hoje, as coisas são todas ou brancas ou pretas, não há cinzentos, não há dúvidas, contradições. O que me horroriza mais é que em vez de ser valorizada a indecisão — e tudo aquilo de onde surge novidade — se avance no sentido da petrificação da realidade”.
A evolução nasce das perguntas, das dúvidas e da reflexão. Sócrates, na Grécia antiga, já o defendia. Mas, entretanto, chegamos a uma altura em que ter certezas e respostas é que é visto como grandes qualidades. E é precisamente por isso que questionar nunca foi tão importante e tão decisivo. Para haver boas respostas (certezas, até certo ponto) é necessário haver boas perguntas. E quanto melhor forem as perguntas, melhor serão as respostas, mais inovação surgirá e mais crescimento e melhoria haverá; as perguntas são fundamentais.
“Alguém com ideias novas é um louco até as suas ideias triunfarem”, Marcelo Bielsa
O conservadorismo associado ao futebol manifesta-se de muitas maneiras. Nas pessoas, nas políticas, nas decisões, nos problemas e nas soluções para os mesmos, nas ideias, nas formas de estar e de pensar. Isto ganha ainda maior relevância por um aspeto fundamental: se há indústria onde as certezas são poucas é precisamente o futebol (não há receitas infalíveis, que ganhem sempre) e sendo assim, não devia haver mais espaço e mais abertura para tentar coisas diferentes, abrir-se a novas oportunidades e a outras pessoas e tomar decisões radicais e caminhos disruptivos? Devia ser mais fácil experimentar, inovar e criar onde a linha entre ganhar e perder é tão ténue.
O futebol também continua a viver nesta “petrificação da realidade”, como lhe chama Luís Miguel Cintra. Ainda se dizem, regularmente, frases feitas, ainda se evocam chavões pré-históricos e alimentados ao longo de tempo. Mais do que dizer, aliás, ainda se acredita e ainda se tomam decisões, desportivas e não só, recorrendo a eles. No futebol, é difícil quebrar regras.
Ao longo do tempo tenho apontado algumas “verdades”, ditas e repetidas até à exaustão, que me parecem castradoras e inibidoras e que, se levadas à letra, prejudicam mais do que ajudam. São frases que, no meu entender, se não devem ser riscadas de vez, no mínimo merecem reflexão para se perceber se fazem, realmente, sentido, ou se, pelo contrário, são preconceitos limitadores.
“A classificação nunca mente”: No final de cada campeonato, é normal ouvir-se isto. Mas, ao contrário do que se possa pensar, uma época não é uma amostra assim tão grande e evidente para atestar a justiça dos resultados ou o bom/mau trabalho de clubes, equipas e treinadores. Na verdade, pode ser enganadora caso não seja bem contextualizada e se não se relativizar (não é o mesmo que desvalorizar) os resultados. Eis um bom exemplo.
“O futebol é das pessoas do futebol”: O estudo sobre o impacto da diversidade, seja no que for (alimentação, experiências, conversas, leituras, etc), tem aumentado significativamente no campo da psicologia, onde se inclui a psicologia organizacional, que se debruça sobretudo sobre o funcionamento de equipas ou empresas. Ora, o que é cada mais consensual é que ter pessoas com diferentes experiências, conhecimentos, visões e opiniões não só é enriquecedor e ajuda (sempre que o ambiente/cultura o proporcionar, claro) a ter mais ideias e mais soluções, como também torna os relacionamentos mais fortes e as ligações emocionais mais resistentes aos maus períodos. Afinal, quem são, realmente, “as pessoas do futebol”?
“Ou ganha-se ou aprende-se”: Não, não é só com as derrotas que se aprende. As vitórias também devem ser analisadas e também trazem ensinamentos. Ganhar não significa que se tenha feito tudo bem, logo quer dizer que há erros a corrigir e coisas a aprender. O mesmo raciocínio vale para o “em equipa que ganha não se mexe”.
“Os jogos decidem-se no campo”: Resumir aos 90 minutos é, cada vez mais, redutor e demasiado simplista. O que as equipas fazem no campo, como se comportam e como jogam, é consequência de muitos e variados aspetos que não vão (diretamente) para o jogo, mas que o influenciam de maneira decisiva.
“O jogo é dos jogadores”: Sim, são os jogadores que jogam. Mas o que eles jogam e como jogam depende de muita coisa. Não fosse assim e o mesmo jogador teria sempre o mesmo rendimento, independente do clube e da equipa onde está. E isso não acontece.
“Os bons jogadores entendem-se sempre”: Reforçar a equipa não é, simplesmente, analisar um jogador, gostar e contratá-lo. Também não é elaborar uma lista e escolher o melhor. Mais do que contratar os melhores, a preocupação deve ser contratar os jogadores certos (que encaixam melhor na equipa, dentro e fora do campo; que, à partida, tenham menos problemas de adaptação; que vão beneficiar os restantes jogadores e não prejudicá-los; que já está familiarizado com a forma de jogar do clube; etc, etc). Há muita coisa a analisar, e decisiva no (in)sucesso da escolha, para além da qualidade individual. Os bons jogadores muitas vezes não se entendem porque o contexto não é o adequado.
Nada é estanque. O futebol ainda menos. Estar aberto a novas ideias, a outros pontos de vista, a pessoas diferentes e a processos novos, é estar mais perto de 1) descortinar falhas e erros, que existem sempre, e 2) encontrar soluções para os problemas, estar um passo à frente da concorrência, inovar e melhorar. Porque a competitividade vai exigir mais e mais, mesmo quando se ganha. Vai exigir análise regular, reflexão constante e total abertura para se duvidar, repensar, mudar, cortar com o passado e fazer diferente. Vão ser necessárias boas respostas. Mas primeiro são precisas boas perguntas.