Antes de atingir o patamar sénior/profissional, e correndo tudo normalmente, um futebolista faz-se ao longo de um percurso longo, de dez anos no mínimo, em que está sujeito às mais variadas influências, desde treinadores, colegas de equipa, adversários, pais ou contextos competitivos. São muitas coisas a moldá-lo, consciente ou inconscientemente, na tentativa (ilusão?) de o tornar melhor. O que a maioria de nós se esquece é que a eficiência dessa relação entre o que é transmitido e vivido e o que é apreendido e percebido depende mais do recetor (no caso, o jovem jogador) do que do emissor.
Por exemplo: mesmo vivendo os mesmos contextos, lendo os mesmos livros ou ouvindo as mesmas palavras, não aprendemos todos as mesmas coisas, nem sequer ao mesmo ritmo. Uns aprendem mais, outros aprendem menos. Ensinar e aprender são conceitos que se tende a uniformizar, mas são totalmente diferentes, nem sempre interdependentes. É isso, contudo, que torna o processo de aprendizagem tão fascinante e complexo. Porque nem tudo o que pode ser aprendido por ser ensinado e nem tudo o que pode ser ensinado pode ser aprendido. E este ponto parece-me vital para orientar todos os que estão no papel do professor (treinador, pai, mãe…).
Tenho ideia de que há uma preocupação excessiva com aquilo que pode ser ensinado e pouca em relação ao que não pode ser ensinado, mas pode ser aprendido. Há, ainda por cima, a convicção de que se pode influenciar mais do que realmente acontece. Ou seja: atua-se por excesso. Ao longo da formação, ao jovem jogador é-lhe passada muita informação, só que nem toda é relevante. Há uma tendência natural para tentar ensiná-lo/formatá-lo ao máximo, como se tudo dependesse disso e do que é transmitido, ao mesmo tempo que se desvaloriza o que ele pode, e deve, aprender por ele, ao ritmo certo, “sem ir contra a própria natureza”. (Algo em que um treinador de guarda-redes tanto insistiu numa conversa que tive há poucas semanas.)
Quem está no papel de ensinar (de facilitador de aprendizagem), nomeadamente em idades mais precoces, quer influenciar positivamente o mais possível, quer ter a sua importância no desenvolvimento de quem está com ele. Mas pode ser que essa importância dependa tanto daquilo que ele faz e diz como do que não faz nem diz.
Vem isto a propósito de Pedri, o jogador de Barcelona que está a encantar toda a gente e que, aos 18 anos, joga ao mais alto nível, numa das melhores equipas, como fosse a coisa mais simples e mais natural do mundo. Evoluiu mais rápido do que o normal e aprendeu mais e mais depressa do que é a regra. E das duas, uma: ou teve sempre os melhores treinadores durante o processo formativo (o que é improvável no Las Palmas) ou chegou a este nível, ainda tão novo biologicamente (mas crescido em termos de maturidade), graças a uma extraordinária capacidade de perceção, recolha e apreensão de informação, mesmo de maneira não-consciente. Ou seja, é possível, e até provável, que os treinadores que teve o influenciaram mais por aquilo que não disseram nem lhe fizeram do que pelo contrário. E isso, se for o caso, só diz bem desses formadores.
Olho para Pedri num campo de futebol e vejo alguém com todas as qualidades que não se ensinam (caso contrário, todos os que jogaram com ele não deviam estar ao mesmo nível ou perto?), mas que ele aprendeu e incorporou, de tal maneira que já o faz naturalmente e sem esforço suplementar. Nele não é a técnica e a execução, que podem e devem ser ensinadas, a sobressair, mas sim o que ele pensa, percebe e vê antes da ação, o que faz sem bola, como se relaciona com o jogo, a equipa e o adversário. Tudo qualidades que, claro, podem ser estimuladas, mas não mais do que isso.
Pedri é hoje o que sempre estava destinado a ser – também por isso a inteligência tão acima da média – e não o que queriam que ele viesse a ser. Por isso, também deve ser um exemplo num outro aspeto, também muito vincado pelo mesmo treinador de guarda-redes, que relembra sempre a importância de respeitar a natureza de cada um. Dito por outras palavras: não robotizar. Numa altura em que há a moda de formar jogadores não para o que eles, naturalmente, deviam e podem ser, mas para o que os clubes querem que eles sejam, na perspetiva de os prepararem para um suposto futebol do futuro, é crucial ter bem claro até onde se pode ir nessa formatação. Ao querer ensinar e moldar tudo pode-se estar a fazer com que eles não aprendam tudo o que devem e precisam.
Se alguém fizesse exatamente o mesmo percurso de vida e formativo no futebol que Cristiano Ronaldo e Messi, isso quereria dizer que nos últimos anos teríamos dois ou três Ronaldos e Messis a marcar 60/70 golos por época? Dificilmente. (Embora Lázsló Polgár nos possa levar a pensar o contrário mesmo que uma das filhas tenha tido mais sucesso do que as outras). E a razão para isso parece-me evidente: sim, os contextos são importantes, os ensinamentos e as vivências ajudam, mas o que é verdadeiramente decisivo é tudo aquilo que quem está na posição do aluno pensa, faz, percebe e aprende.