Parece-me evidente que existe um estereótipo assumido do que deve ser, como se deve comportar e que características deve ter um líder. Boa imagem, boa comunicação, falador, confiante, dinamizador, proativo, convencido (no sentido de ser alguém com muitas certezas e poucas dúvidas). E, por arrasto, também se dá como adquirido que alguém calado, reflexivo, pouco confiante, que gosta de se isolar, descuidado na aparência não tem o “perfil” adequado para liderar.
No livro “Silêncio”,Susan Cain aprofunda esta dicotomia, rebate a ideia do líder extrovertido e argumenta a favor dos introvertidos, alertando para as desvantagens inerentes a alguém que se veste bem, fala bem e parece confiante. É que, perante alguém assim, tendemos a desvalorizar o conteúdo e a valorizar demasiado as formas e os meios como as mensagens são transmitidas. Tal como Malcolm Gladwell expõe: “Somos muito tendenciosos em favor de pessoas carismáticas ou atraentes, e isso arruína nosso detector de verdade”.
Na obra, Susan Cain faz questão de reiterar que os extrovertidos também têm qualidades importantes e que, em alguns casos, são preferíveis aos introvertidos (exemplo: quando lideram grupos maioritariamente introvertidos, com dificuldades em tomar a iniciativa), mas salienta-se o facto de estes terem conquistado demasiado poder, passando a liderar organizações, governos, empresas, etc, ao mesmo tempo que os introvertidos são encostados, desvalorizados e ignorados: não são ouvidos.
Um dos exemplos dos perigos associados à sobrevalorização de uns e à desvalorização de outros é a crise financeira de 2008, consequência de “vigorosos extrovertidos”.
Através de estudos científicos, entrevistas, conversas e observações no terreno, Susan Cain explica que não ser muito confiante, ter dúvidas e falar pouco não são necessariamente desvantagens porque essas características resultam noutras que são determinantes para o bom funcionamento de uma organização/equipa.
Por não serem muito confiantes, os introvertidos são mais reflexivos e prudentes; por terem poucas certezas, são mais racionais e mais propensos a avaliar riscos e a ver as partes negativas de algo; por falarem pouco, ouvem mais. O livro adianta ainda que a introversão (e não timidez — são coisas diferentes) está associada a maior sensibilidade, a mais preocupação com os outros e com as consequências das ações e a maior empatia. Pelo contrário, os extrovertidos tendem a ser mais impulsivos e temerários, e são muito mais influenciados pela dopamina, tomando decisões tendo em vista possíveis recompensas imediatas.
É precisamente por falarem pouco que vale a pena ouvir os introvertidos — normalmente, não dizem nada que não tenham ponderado antes. É precisamente por parecerem menos confiantes e mais descuidados que é importante levá-los a sério porque eles preocupam-se mais com o conteúdo do que com as formas.
Não é que a liderança introvertida seja melhor do que a extrovertida. O problema é que, tendencialmente, só os extrovertidos são vistos como potenciais líderes e isso, provavelmente, implica abdicar e desvalorizar características e qualidades essenciais para se liderar com eficiência, através de perguntas/observações incómodas, de reflexões mais profundas e exaustivas, de comportamentos menos carismáticas e de ações mais delicadas.
O ideal é conciliar as duas “personalidades”, algo que é possível e que o livro também aborda. Dependendo do contexto, alguém pode “agir fora do carácter ao serviço de projetos pessoais essenciais”: ou seja, um extrovertido pode atuar como introvertido e vice-versa, desde que “a bem de um trabalho que considerem importante, das pessoas que amam ou de qualquer coisa que valorizem bastante”.
É a chamada “Teoria dos Traços Livres”, que foi criada a desenvolvida por Brian Little, um introvertido assumido que começou a perceber que podia ajustar-se ao ambiente, recorrendo a estratégias e planos que lhe permitissem manter a sua essência mas sem deixar que ela o prejudicasse. Por exemplo, antes de falar em conferências para centenas de pessoas, dava longos passeios e depois da conferência refugiava-se na casa de banho para recuperar o sossego e refugiar-se no silêncio. Graças a isso, durante anos foi não só capaz de falar em público — algo muito difícil para um introvertido — como tornar-se, nessa tarefa, num dos palestrantes mais empolgantes e mais extrovertidos. Aparentemente, claro.
Deve falar-se de líderes ou de lideranças? Devem procurar-se líderes específicos, com personalidades claras e inflexíveis, ou alguém capaz de andar entre a extroversão e a introversão, consoante a situação; ou seja, líderes ou formas de liderar? Mais do que um líder extrovertido ou introvertido, se calhar o que as equipas precisam é de lideranças introvertidas e extrovertidas em momentos que pedem essas abordagens. Há alturas em que um líder deve falar mais, parecer mais confiante; há outras em que deve ouvir mais, fazer menos, questionar, mudar de opinião, aceitar outras perspetivas, dar liberdade, mostrar-se vulnerável.
Certo é que os introvertidos também devem ser equacionados para líderes e vistos como bons líderes. Falar pouco, ouvir muito, ter dúvidas, ser cauteloso e prudente, isolar-se e acrescentar outros pontos de vista promove a discussão, eleva a qualidade do debate e ajuda a tomar boas decisões.