No início desta semana, Jurgen Klopp foi lapidar: “The world is a crazy place. Nobody has time any more”. Em duas frases curtas, o treinador alemão resumiu a atualidade, o mundo, as pessoas, a vida, o desporto e, claro, o futebol. Falta paciência, não há tempo a desperdiçar, esperar não é opção, perder nem pensar. E o que o treinador alemão também transmite é que essa forma de estar é traiçoeira: porque distorce o discernimento, a análise e, claro, influencia negativamente as ações e as decisões. Perder o próximo jogo pode colocar em causa um projeto, uma ideia, uma equipa e um treinador. Portanto, faz-se tudo para ganhar um jogo, ignorando que essa visão minimalista e adulterada da realidade terá consequências, imediatas ou não.
O “o que interessa é ganhar” é nocivo. Dá um peso injusto a algo que pode ser tão aleatório e, acima de tudo, leva as pessoas, incluindo aquelas que têm a responsabilidade de selar por muito mais do que isso, a pensar e a assimilar que vale tudo. Para (tentar) ganhar, esquecem-se promessas, não se respeitam valores, fazem-se contratos impossíveis de cumprir, escondem-se ações e comportamentos, falta-se à transparência, admite-se a batota, ameaça-se. Para ganhar, condena-se uma das qualidades mais importantes para se ser bem-sucedido para lá do(s) próximo(s) jogo(s): a credibilidade.
Ainda por cima, no futebol, continua-se a olhar para a credibilidade como algo secundário e supérfluo. Mas não é. Pelo menos, não quando o que se quer é pensado e perspetivado a longo-prazo e passa por construir algo sólido, sustentável, com margem de crescimento e resistente aos percalços. A credibilidade é, e tem que ser, algo prioritário se o objetivo for promover um produto, atrair valor, crescer e conquistar o respeito.
Deixar de pagar salários, desmentir-se constantemente (em palavras, ações ou decisões), fazer hoje o contrário do que se prometeu ontem, não cumprir prazos de pagamentos, desfazer tudo constantemente ao primeiro constrangimento, mina toda e qualquer possibilidade de criar boa imagem, de ser um bom exemplo, de se ser bem visto, de ter boas relações, as portas abertas a possibilidade verdadeiramente benéficas e margem de manobra no futebol. E demasiadas vezes, troca-se essa credibilidade por ganhos a curto-prazo mas que têm consequências negativas a médio e a longo-prazo.
Contratar um jogador apesar de não se ter dinheiro para lhe pagar o estipulado pode dar para ganhar uns jogos, mas vai custar outras vitórias, dentro e fora do campo. Deixa marcas profundas, muitas vezes irreversíveis. Por outro lado, não contratá-lo e contar apenas com o que se pode garantir sem hipotecar o futuro faz o clube ganhar nome e respeito no meio, entre os que nele estão envolvidos e os que se querem envolver.
Ninguém quer relacionar-se com quem é desonesto, não paga salários, não respeita contratos e tem atitudes e formas de estar esquizofrénicas. Nem jogadores, nem treinadores, nem outros clubes, nem outros dirigentes, nem empresas, nem empresários, nem investidores (os bons, claro). Mas todos querem estar associados a quem é credível, respeitado e conhecido por cumprir tudo com que se compromete.
A credibilidade constrói-se e é atrativa por isso mesmo. Mais até do que o dinheiro ou a promessa de dinheiro. Ser credível nas palavras, nas ações, nas decisões, no respeito é ser rico na transparência, nas relações, nas opções, nas oportunidades, nas negociações. E a mensagem vai passando, como explica, Fran Garagarza, diretor desportivo do Eibar: “Antes había jugadores que preferían jugar en Segunda a venir al Eibar en Primera. Eso ya no pasa tanto porque el boca a boca ha funcionado”. A credibilidade cimenta-se boca a boca.
Um clube não preferirá negociar com outro que sabe que respeitará os compromissos? Um jogador não assinará mais depressa por um clube que paga menos mas paga, em vez de outro que paga mais mas não se sabe se paga? Um treinador não duvidará em aceitar o convite de um clube que despediu os dois últimos treinadores ao fim de quatro jogos? E uma empresa, vai associar-se a quem? Você associava-se a quem? Na mesma medida, jogadores, dirigentes e treinadores credíveis, com princípios e carácteres à prova de bola serão, normalmente, preferidos em detrimento de outros, talvez, melhores, mas que deixam a desejar nesse aspeto pessoal e relacional.
O futebol descredibilizado
A credibilidade faz-se de seriedade e transparência, mas custa a construir e a ganhar porque exige fazer cedências, aceitar derrotas e a assumir fragilidades. E isso é cada vez mais difícil num futebol onde o perder, o ser mais fraco e o ceder é quase um pecado sem redenção possível. Mas é ao contrário: só os mais fortes e os melhores preparados é que sabem até onde podem ir e não têm medo das cedências e de mostrar fragilidades.
Entre as 50 equipas desportivas mais valiosas do Mundo, apenas sete são do futebol. E isso é um bocado contraditório com o facto de o futebol ser o desporto mais visto em todo o Mundo, mais praticado e mais mediático. Contudo, acaba por não ser estranho, como também não é surpreendente constatar que a maioria das equipas mais valiosas são dos EUA, onde o desporto é mais regulamentado, mais transparente, mais organizado, mais claro, mais imprevisível, menos resultadista e mais profissionalizado.
Pelo contrário, o futebol vive uma crise de credibilidade. São muitos mais os negócios suspeitos do que os negócios claros e transparentes. Muitas das pessoas envolvidas e que se querem envolver nos clubes têm intenções duvidosas. Os valores das transferências raramente são divulgados, os salários muito menos e a regulamentação financeira só agora começa a ser levada a sério. Ou seja, é propício à obscuridade, ao incumprimento, ao desrespeito, à troca de favores. No futebol, todos desconfiam uns dos outros. Na NBA ou na NFL, todos confiam uns nos outros e trabalham em conjunto. A credibilidade de uns é a credibilidade dos outros e a credibilidade da indústria. Num mundo e numa indústria (desportiva) tão competitiva, a credibilidade compensa.