É fácil contratar um bom treinador; difícil é contratar o treinador certo. É muito difícil, aliás, como demonstram os constantes despedimentos. Há várias possíveis razões que expliquem este enigma. Existe, desde logo, um problema: a confusão entre o “bom” e o “certo”, que resulta na simplificação conceptual, isto é, que um treinador bom seja automaticamente um treinador certo. Um treinador pode ser bom, mas para ser o certo é preciso refletir, ponderar e pesar muitos outros fatores, para lá desse suposto “bom”, dos quais vai depender, diretamente, o (in)sucesso da escolha.
Um exemplo desta confusão. Marcelo Bielsa não era o treinador certo para o Lille, mas foi a escolha perfeita para o Leeds. Porquê? Porque os dois clubes têm visões, projetos, contextos, objetivos e exigências diferentes. Porque queriam e precisavam de coisas diferentes do treinador da equipa.
Juanma Lillo: “Eu sei porque é que os clubes despedem os treinadores; o que eu não sei é por que razão os contratam”.
No que diz respeito à relação que envolve clubes (dirigentes/organizações) e treinadores, duas das coisas mais difíceis no futebol atual são 1) o clube estar totalmente convencido da escolha que faz e 2) apoiar, a 100% e em qualquer circunstância, o treinador que escolhe.
Sobre o primeiro ponto: porque há muitos (cada vez mais) treinadores bons e bem preparados, logo muita oferta e por onde escolher, é difícil estar totalmente (neste caso, esta palavra é fulcral) convencido de que se tomou a decisão certa. Daí, ser fundamental ter, melhorar e aperfeiçoar processos de escolha: quanto mais exigentes e complexos, menor a margem de erro. Sobre o segundo: enfim, quase não é preciso dizer nada. Duas derrotas seguidas, amuos de jogadores e o treinador, normalmente, é quem paga. A frase “é mais fácil despedir um treinador do que 25 jogadores” diz tudo, mas, levado à letra e consecutivamente aplicado, encerra um problema bem mais grave do que aparenta.
Nas últimas semanas, três casos chamaram a atenção e exemplificam bem a complexidade disto mesmo, de “escolher” o treinador certo. Renato Paiva, que detalhou o processo que o levou ao Independiente Del Valle. Foram dois meses de reuniões, conversas, debates, questionários, recolha de informação, etc, etc… No fim, o treinador português conclui: “Eu não sei se vou ser o escolhido, mas uma coisa sei: quem vocês escolherem estará bem escolhido”. E tem razão. Depois de um processo tão exigente, dificilmente o Independiente Del Valle não estaria totalmente convencido da escolha que fez.
Depois, temos Jorge Jesus e Thomas Tuchel, que lidaram da mesma maneira com problemas semelhantes (casos de indisciplina/desrespeito de jogadores). Ambos quiseram afastar os futebolistas prevaricadores do plantel, mas só o alemão do Chelsea conseguiu. Um foi afastado do cargo, o outro saiu fortalecido. Que é o mesmo que dizer: Jesus não foi apoiado a 100% e em qualquer circunstância (obviamente, isto não engloba casos em que o treinador erra claramente e sem margem para dúvidas) por quem manda, Tuchel foi. Mais estabilidade para o Chelsea, mais probabilidades de ter bons resultados.
A verdade em que eu acredito é que os clubes não escolhem os treinadores certos; os clubes, com aquilo que são, defendem, investem e têm para oferecer, fazem o treinador certo. Ou seja, o que se diz ser “escolher bem o treinador” é, na verdade, um processo aberto, contínuo e que não acaba na simples escolha e contratação de alguém. A escolha só é bem sucedida também devido ao que se faz depois de essa escolha estar decidida.
Em entrevista para o site, Luís Campos explicou como, no Lille, conversava e convencia Christophe Galtier de que determinadas mudanças e alguns detalhes o tornariam melhor treinador e, assim, o ajudariam a fazer um bom trabalho. Luís Campos não esperou que a sua escolha resultasse; ele fez por isso continuamente, ajudando quem escolheu.
Se o treinador é alguém decisivo para um clube ter bons resultados, desportivos, mas também financeiros, então tudo o que o envolve tem que ser pensado, construído e gerido com o maior cuidado possível, até ao detalhe mais insignificante. Não começa e acaba no processo da escolha; isso é só o início. Depois vem a parte de fazer dessa escolha a escolha certa: a estabilidade indispensável para haver crescimento resulta daí e quem faz isso está em melhores condições para concretizar objetivos consistentemente.