MARCELO BIELSA: “É fácil pôr jogadores jovens a jogar e aumentar a lista de estreantes. Mas o que se deve fazer é pô-los a jogar e fazer com que não fracassem”.
Vive-se, provavelmente, a altura em que mais se fala na formação e na aposta em jovens jogadores. O processo formativo nunca foi tão analisado, pensado e trabalhado, e isso vem na sequência de uma convicção que vem ganhando corpo nos últimos anos. Para se tornarem sustentáveis, os clubes têm que formar e/ou promover e apostar em futebolistas com margem de progressão, potencial e qualidade para, primeiro, dar retorno desportivo e, depois, dar retorno financeiro.
Hoje, não é anormal ver (aspirantes a) jogadores serem lançados no futebol profissional cada vez mais cedo. Na altura, a estreia de Roger pelo Braga fez-me questionar: alguém com 15 anos está preparado para jogar ao mais alto nível? À falta de melhor, talvez a resposta seja esta: normalmente não; mas pode haver exceções. Um dos problemas, portanto, é pensar-se nas exceções e procurá-las, muitas vezes, sem se pesar as consequências e às custas de prejudicar o jogador em questão, que, em circunstâncias normais, NÃO está pronto para esse passo, mesmo que futebolisticamente pareça que sim. Isso, o jogar bem, é só uma parte de um todo cada vez mais complexo e exigente.
Por isso é que a mesma altura em que a opção pela formação/juventude é impulsionada, incentivada, digna de elogio e valorizada como nunca antes, vista como o rumo a seguir (uma salvação quase) para a maioria dos clubes, também é, paradoxalmente, a mesma altura em que se deve ter mais cuidado nessa aposta e mais ponderação nas decisões e nos jogadores a lançar: por tudo aquilo com que o jovem tem que lidar hoje em dia, jogue bem ou mal, estar preparado futebolisticamente para dar o salto já não chega; é preciso mais.
Endrick (Palmeiras) é o caso mais recente deste admirável mundo novo, como lhe chamaria Aldous Huxley. Só fará 20 anos em 2027 (!!!), mas já fez capa em jornais de dimensão mundial, já viu o nome tornar-se viral no universo digital e ser ligado aos clubes mais poderosos, já tem a vida toda exposta, tem as fintas e os golos espalhados pelas redes sociais. Resumindo: aos 15 anos, já só pode fracassar porque tudo o que não seja confirmar o potencial que tem será visto dessa forma. Se confirmar e chegar ao topo, não surpreende ninguém; se não, será uma falhanço, um desperdício de talento e outras coisas do género. A pressão pode ser insuportável, insustentável e fatal, caso ele, a família, o clube e o contexto à volta dele não estejam preparados para isso. Abel Ferreira parece ser dos poucos que, publicamente, mostra algum bom-senso.
No que diz respeito à aposta na formação e ao lançamento de jovens aos leões, é cada vez mais essencial ter claro que, dependendo do nível, do impacto, da dimensão e do clube, uma finta, um golo, um passe ou uma boa exibição transbordarão para fora do controlo dos clubes, dos treinadores e dos jogadores em questão. Serão extrapolados, ganharão dimensões de consequências imprevisíveis e obrigarão todos, principalmente os mais jovens (os futebolistas) a ter uma maturidade, uma força mental e todo um conjunto de valências psicológicas acima da média para não se deixarem afetar. Ora, o atual contexto social não ajuda a que os jovens de hoje e de amanhã as tenham.
Com cada vez mais clubes a levarem a sério a formação, a usarem essa aposta como uma bandeira e a tentarem destacarem-se por esse processo, a tentação de lançar jovens para mostrar o trabalho que estão a fazer e para se valorizarem é grande, sabendo-se como isso (a atenção que traz, o interesse que desperta) pode ser decisivo para o clube tirar os proveitos para poder continuar a crescer e conquistar visibilidade e admiração. No entanto, há que conciliar essa vontade (pressa) com os interesses de cada jovem. Lançá-los por lançar, baseando-se apenas no que são como futebolistas e tendo como prioridade principal valorizar o que o clube faz, não é o caminho.
Conhecer os jogadores, formá-los para além do jogo, dar-lhes ferramentas e experiências para lhes moldar o carácter de maneira a fortalecê-lo é decisivo para alcançar o grande objetivo: ganhar futuros jogadores e não perdê-los. Há que prepará-los para as dificuldades, mas também é cada vez mais importante alimentar um mecanismo de alerta para as facilidades que os esperam, a reboque de contratos milionários cada vez mais precoces, poder, veneração, atenção mediática, etc, etc. Para vingarem, têm que estar equipados com defesas que lhes permitam reagir adequadamente às críticas e aos elogios.
Há muita coisa para lá do que se passa no campo de futebol que pode ditar o sucesso ou o fracasso de um jovem. A (futura) carreira também depende de como ele lida, e é ajudado a lidar, com tudo isso. Com a pressão, com as expectativas alheias, com o nome nos jornais, com o interesse de grandes clubes, com a precocidade, com a conta bancária recheada num piscar de olhos e com os comentários nas redes sociais (e os bons podem ser tão nefastos como os maus). Estar preparado futebolisticamente já não chega e não pode ser a única razão que leva um treinador e um clube a apostar num adolescente. Caso contrário, não estarão a ajudá-lo.