Sabe aquela brincadeira em que uma pessoa se vira para outra e lhe atira um objeto ao mesmo tempo que lhe diz “pensa rápido”? Se já participou ou viu isto, sabe que é praticamente impossível agarrar o objeto. Agora: isso acontece porque a pessoa a quem o objeto foi atirado não pensou rápido ou porque não pensou antes (porque não teve tempo) e por isso não antecipou o que se ia passar?
Quando dizemos a alguém que tem que “pensar rápido”, o que é que isso significa realmente? Primeiro: o que é que significa pensar rápido? Se calhar, mais importante ainda: o que é que implica ter rapidez de pensamento? Como é que se pensa rápido? Como é que alguém pode pensar mais rápido do que o costume? É possível, sequer, pensar mais rápido? Ou o que é possível é decidir mais rápido e executar mais rápido, sendo que a rapidez e a qualidade da decisão e da execução estão diretamente ligadas ao pensamento, concretamente à qualidade do pensar de cada um? E se decidir e executar estão ligadas ao pensar, também não estão relacionadas com vivências, comportamentos, ações e aprendizagens?
Vejamos estes exemplos: 1) Se um avançado apanhar a bola a 30 metros da baliza e não tiver ninguém entre ele e o guarda-redes, terá 30 metros para pensar no que vai fazer, para repensar, para duvidar, para analisar opções, para mudar de decisão. 2) Se o mesmo avançado apanhar a bola perto da baliza, no meio de um aglomerado de jogadores, e tiver que tomar uma decisão em milésimos de segundo, vai atuar, simplesmente. (Quase) sem pensar. E assim, não vai duvidar, não vai repensar, não vai mudar de opinião. Vai estar menos consciente e será o não-consciente a decidir. Isto, no entanto, não quer dizer que vá decidir à sorte e que não pensou na decisão. Pensou, mas não nesse momento.
Então, será possível que, por absurdo que possa parecer, seja melhor jogar sem ter que pensar, ou, para não sermos tão drástico, sem ter que pensar muito? Pelo menos, nas situações em que a decisão e a execução/ação estiverem alinhadas no mesmo momento?
De certeza que já viveu episódios em que, de repente, sem contar, sem fazer nada por isso e sem pensar, lhe veio uma ideia, aparentemente genial, à cabeça. (Acontece muito no banho, mas também enquanto se caminha). Isso não sucede porque estava a pensar em algum assunto, mas porque pensou nesse mesmo assunto, ou em algo relacionado com ele, durante mais ou menos tempo – normalmente, muito. Ou seja, as ideias parecem surgir por acaso, mas não. Surgem porque o cérebro processa e, acima de tudo, organiza informação, que, depois, é armazenada na parte não-consciente, a que “ocupa a maior parte do cérebro e controla quase tudo o que fazemos”.
É baseado nesta verdade científica que os treinadores pensam os treinos para que os comportamentos pretendidos, coletivos e individuais, se incorporem de tal maneira na mente dos atletas ao ponto de eles os realizarem sem sequer terem que pensar que os têm que fazer. O objetivo é que durante o jogo os futebolistas não tenham que pensar em situações treinadas e trabalhadas e que isso lhes liberte espaço mental para serem criativos e para resolverem imprevistos que possam surgir.
Decidir bem (e rápido) exige pensar bem
A tomada de decisão no futebol e tentar perceber porque é que uns jogadores decidem melhor do que outros é um dos temas que mais me interessa e numa conversa twitteira de há uns dias veio-me à cabeça (lá está, de repente e sem eu contar) estas dúvidas sobre o “pensar rápido”. Se ele existe sequer e se, neste sentido, tem lógica usar a expressão no futebol, mesmo sabendo que o futebol é um jogo de decisões e que quem tomar as melhores decisões está mais perto de ganhar.
Decidir bem é fundamental, claro. E se for bem e rápido, melhor. Mas decidir bem não é mesmo que decidir rápido. Tal como pensar bem não é o mesmo que pensar rápido. O importante não é pensar rápido nem decidir rápido, o importante é pensar bem e decidir bem para executar rápido.
Quando se diz – e não são tão poucas vezes assim – que alguém tinha que pensar rápido e encontra nisso a justificação para uma perda de bola, ou que demorou a decidir (coisas que eu também já disse), parece-me, agora, que o que se deve dizer é que devia ter pensado antes para depois decidir e executar automaticamente, de maneira não-consciente.
Por exemplo, em treinos em espaços curtos, com limitação de toques (um ou dois), estou tentado a acreditar que aqueles que melhor se saem não “pensam rápido”, mas “pensam antes”. É o tal saber o que se vai fazer, antes sequer de a bola lhes chegar. Eles não decidem quando tocam na bola (será possível, a jogar a um toque, executar ao mesmo tempo que se pensa no que se vai fazer?), decidem antes de a bola lhes chegar.
Os melhores jogadores parece que pensam mais rápido e decidem mais rápido do que os outros, mas o que eles fazem não será pensar (ler, antecipar, interpretar) antes e decidir antes para executar rápido? O que os distingue não é ver coisas que os outros não vêem? E é mais provável que vejam essas coisas quando têm a bola e estão a executar, ou é mais provável que as vejam quando não a têm, nas alturas em que dispõem de mais tempo para pensar/analisar?
Todas as decisões, conscientes ou não-conscientes, são consequência de pensamentos e os melhores jogadores não são os que decidem rápido, mas os que decidem melhor, logo são os que pensam melhor. E pensar melhor, quando a seguir vem uma decisão, é pensar antes. É ver, perceber, interpretar o que se está a passar para tentar prever ou até criar o que se seguirá. Os que o conseguem parece que estão à frente no tempo, mas o segredo talvez seja outro: conheceram muito bem o passado.