Não, não há qualquer erro ou engano no título. É, simplesmente, uma contradição. E o que não faltam no futebol são contradições.
Clubes, equipas, gestores ou treinadores podem ser divididos em diversas dicotomias. Numa dessas divisões, podemos colocar de um lado os que põem os resultados acima de tudo e, do outro, os que pensam esses resultados como uma consequência de alguma coisa. Ambos pensam em ganhar (todos pensam) e é isso que os une a todos, o que os separa é que os primeiros só pensam nisso e os segundos não. Essa é uma diferença decisiva nas abordagens de uns e de outros.
É verdade que o futebol exige cada vez mais dos jogadores, a densidade competitiva e a competição pela conquista de objetivos são gigantes. Também exige mais dos treinadores. Mas todo esse paradigma, toda essa aparente exigência, faz o futebol realmente mais exigente na procura de caminhos e de soluções ou, pelo contrário, torna-o mais básico, mais previsível, pouco paciente, menos trabalhado e pensado e, ao fim e ao cabo, menos exigente no que diz respeito ao processo?
Na sociedade e, como tal, também no futebol, são cada vez mais (pessoas e, consequentemente, clubes) os que só pensam em ganhar, mas que pensam pouco, ou nada, em como ganhar. Não só não olham a meios para atingir os fins, como nem sequer pensam neles. Estes são vistos como exigentes e ambiciosos porque querem muito (mais) em pouco (menos) tempo. Podem ser ambiciosos, sim, mas se há coisa que não são é exigentes. Porque para eles, qualquer coisa serve. Não acreditam em nada e por isso mesmo é que acreditam em tudo.
Talvez nunca como hoje, o futebol foi tão pouco exigente a esse nível. Vivemos a era em que tudo serve, desde que funcione rápido e, de preferência, sempre. Se serviu ontem, mas hoje não, começa-se a duvidar. Isso não faz de nós exigentes. Pelo contrário. Contrata-se um treinador, mas se ele não ganhar imediatamente, vai embora; idealiza-se uma forma de jogar, mas se ela não servir nos dois jogos seguintes, então é preciso mudar. Há pouca exigência na construção de alguma coisa. Não se procura que haja trabalho sustentado, prolongado e resistente às adversidades. Não há exigência naquilo que se quer e se pode fazer para alcançar objetivos.
A exigência no futebol só está no fim, não está no caminho. É a falta de exigência que explica que cada vez mais treinadores sejam despedidos. É a falta de exigência que reflete o facto de existirem clubes (a maior parte) sem ideias, estratégias, formas de pensar e de trabalhar perfeitamente identificadas. A exigência dos resultados imediatos tornou o futebol menos exigente em muito daquilo que permite precisamente esses resultados.
Não há falta de paciência nem tempo para os clubes se consolidarem e para os treinadores apresentarem trabalho. O que há é falta de exigência. Ao treinador não é exigido uma metodologia, uma ideia de jogo, um estilo de liderança; apenas lhe é exigido resultados. Como os vai conseguir não interessa. Quando se pede paciência e tempo, o que se está realmente a ser é exigente no que diz respeito ao processo.
O objetivo dos clubes não deve ser ganhar (leia-se concretizar objetivos), mas sim ganhar regularmente e durante um período de tempo alargado, e perder poucas vezes. E isso não se consegue com uma exigência descomunal em relação aos resultados. Pelo contrário, apenas é possível com uma exigência grande em relação a tudo o que provoca esses resultados.
Portanto, esta falta de exigência tem outra desvantagem clara associada. Tolda a visão e trai o discernimento, não convida à reflexão, ignora a mudança. Os clubes mais fortes pensam e repensam, refletem, colocam as coisas em perspetiva, analisam com profundidade, estão sempre à procura de melhorias. Os melhores clubes analisam os resultados, não se contentam com eles. Ou seja, são muito exigentes em relação ao processo.
“O que interessa é ganhar”, “jogar bem é ganhar”. Consciente ou inconscientemente, estas são duas das expressões mais ouvidas no futebol, seja por treinadores, jogadores ou dirigentes. E haverá expressões mais sintomáticas sobre a exigência desmesurada sobre os resultados e a ausência dessa mesma exigência sobre o que provoca esses resultados?
O futebol exige mais, mas está menos exigente. Por um lado, quer bons e melhores resultados rapidamente; por outro, para os conseguir, desvaloriza as ideias, os projetos, os processos, o crescimento. Qualquer coisa serve, desde que dê para ganhar o próximo jogo.