Mike Krzyzewski é um dos grandes treinadores da história do desporto dos Estados Unidos. Pela Universidade de Duke, onde comanda a equipa de basquetebol desde 1980, ganhou mais de 1000 jogos e só John Wooden foi mais vezes campeão universitário. Entre as vitórias estão também os inúmeros jogadores que lhe passaram pelas mãos antes de chegarem à NBA e os muitos treinadores que continua a inspirar. O ‘coach K’ tem agora 74 anos e a próxima será a sua última época no ativo.
Quando Krzyzewski anunciou a despedida, os tributos foram incontáveis, a maioria a recordar os feitos, os títulos e os triunfos. Normalmente, é assim. É difícil fugir à tentação de passar a ideia de que os maiores e os melhores só ganham – afinal, são os melhores. Para além disso, as vitórias têm muito mais poder, são mais influenciadoras e inspiradoras do que as derrotas. São (quase) um certificado de competência e de qualidade. Mas Kryzyewski também perdeu. Como todos.
O ‘Daily Coach’ (a newsletter diária vale muito a pena) fugiu ao óbvio e recordou os tempos em que ainda não havia ‘coach K’, em que as dúvidas eram mais do que as certezas, em que as vitórias eram escassas e perder o normal. Tempos em que o despedimento pairou e que, a acontecer, – quem sabe? – daria outro rumo (para pior) à mesma história que hoje é de sucesso. Pormenores decisivos. Kryzyewski também foi criticado, contestado e viu as suas escolhas serem questionadas. E isso ajudou-o.
A certa altura, lê-se na newsletter: “On our leadership journeys, just about all of us will be tested, particularly early on. We believe in our philosophies, but confidence isn’t really confidence unless it’s endured criticism, strife and failure” (“Nas nossas jornadas de líderes, todos seremos testados, nomeadamente no início. Acreditámos nas nossas filosofias, mas a confiança não é mesmo confiança até enfrentar críticas e falhanço”).
As derrotas são muito desvalorizadas, mas são elas que colocam à prova as convicções, as ideias, o caráter, os projetos, aquilo que pensamos e defendemos. É fácil ter isso tudo e defender as nossas formas de pensar e de atuar quando as coisas correm bem, quando se ganha, quando não se é questionado e quando os resultados nos dão razão. Pelo contrário, é difícil mantermo-nos fiéis aos nossos princípios, às nossas ideias e às nossas convicções quando tudo nos faz pensar que estão erradas. Mas são estas, as que resistem às tempestades e às críticas, que prevalecem, que nos definirão e que acabarão por fazer a diferença.
A tal confiança, “A confiança em si” que Ralph Waldo Emerson defendeu e escreveu num dos textos mais importantes do século XIX, ganha-se e alimenta-se também (principalmente?) a perder porque é precisamente aí que ela é posta à prova a sério, que ela é desafiada e questionada.
Marcelo Bielsa em duas frases: 1) “O fracasso é formativo, torna-nos mais sólidos e mais coerentes, e aproxima-nos das convicções” (no limite, talvez, só nos momentos de fracasso é que a coerência é testada e pode ser provada); 2) “A liderança está diretamente relacionada com a derrota porque é nessas alturas que se vê a consistência do líder”.
Um líder só pode ser considerado um bom líder quando resiste aos maus momentos e sai fortalecido deles; um projeto (desportivo) apenas pode ser levado a sério quando o rumo escolhido é mantido apesar dos percalços; as equipas e os grupos de trabalho realmente coesos unem-se e saem mais fortes das crises. Sem derrotas não há nada para defender; sem derrotas não há como sermos desafiados, colocados à prova e sermos tentados a mudar.
Mike Krzyzewski é, hoje, uma lenda do desporto americano e uma referência a nível mundial não porque não enfrentou críticas, falhanços e dúvidas. Mas porque, mesmo nesses momentos, se manteve fiel a si mesmo.