O individualismo, como conceito, ideologia e até como forma de vida, não é algo necessariamente mau. Que alguém pense por si mesmo, que viva conforme as respetivas convicções, que procure evoluir e melhorar independentemente do que do que se passa à sua volta, e não se preocupe com o que os outros fazem e pensam, é positivo. É a génese do “espírito livre” que Friedrich Nietzsche fala.
Teoricamente, o individualista não espera favores do coletivo, nem a ajuda do(s) grupo(s); responsabiliza-se e não se desculpa com fatores alheios. Curiosamente, hoje diz-se, mas em jeito de crítica, que se vive uma era individualista; isso, contudo, é mais um sintoma da limitação das palavras e do vocabulário disponível do que verdadeiro, pelo menos no sentido mais estrito do que é o individualismo; porque hoje, ao contrário do que o individualismo apregoa, todos esperamos que os outros façam as coisas por nós e para nós.
É o tal “colocar o coletivo ao serviço do individual”, como se ouve, reiteradamente, da boca de treinadores (e não só). O coletivo é importante e tem que funcionar para, entre outras coisas, favorecer os indivíduos e para se conciliar com os objetivos individuais. Não é algo negativo por si só, claro. O problema é que, também graças a isso, perdeu-se (esqueceu-se?) a outra parte e chegou-se a um ponto crítico. Encontrar disponibilidade para colocar o individual ao serviço do coletivo, para sacrificar as metas e as ambições pessoais em prol de um grupo, de uma equipa, é cada vez mais difícil e será ainda mais raro se não houver uma mudança do paradigma, das vontades, das lideranças e dos projetos, se não se lutar contra o contexto atual. É verdade que há que haver ajustes para responder ao que a sociedade (os indivíduos) pede, mas também é preciso parar e perceber se ceder sempre é assim tão benéfico ou se terá consequências negativas.
É cada vez mais difícil convencer as pessoas a lutarem por algo maior do que elas. Atualmente, a mensagem que reina é que o coletivo tem que estar ao serviço do individual e isso, consciente ou inconscientemente, enfraquece as equipas ao longo do tempo, esfria as relações e conspira contra os objetivos coletivos de médio e de longo-prazo.
Um exemplo de fora do futebol que me parece paradigmático: a luta contra as alterações climáticas. As cimeiras sucedem-se, os apelos repetem-se. É uma luta GLOBAL, é necessária a ajuda de TODOS, dizem. Ou seja, é o coletivo que tem a obrigação de lutar e de (tentar) resolver o assunto, minimizando e negando, deste modo, qualquer responsabilidade individual. (Mas ela existe e é poderosa). A mensagem subjacente também pode ser interpretada do seguinte modo: não adianta você fazer nada se os outros não fizerem. E, claro, ninguém faz nada porque, precisamente, está à espera que os outros façam. Eis o coletivo ao serviço do individual na sua versão mais negra.
Hoje, pergunta-se muito sobre o que os outros podem fazer por nós. Escolhe-se a equipa e o clube sempre na perspetiva e com a convicção de que sairemos valorizados; tomamos decisões a pensar, quase exclusivamente, no que vamos ganhar e como seremos beneficiados. Pelo contrário, mas logicamente, dá-se cada vez menos importância ao que podemos fazer pelos outros e como podemos contribuir para o bem geral, mesmo que, em algumas situações, sejamos prejudicados. Entre o nós e o eu, prevalece o eu e está cada vez mais forte e fortalecido. E o que é curioso, e, ao mesmo tempo, muito significativo, nesta disputa quase ideológica é que, na perspetiva de uma equipa, de um conjunto de pessoas que trabalha e vive junta, é a perguntar o que podemos (eu e cada um) fazer pelo nós que se evitam e resolvem os problemas.
Nos dias que correm, os jogadores (os indivíduos) de futebol são vistos e encarados como empresas, marcas próprias. Logo, como qualquer empresa, com objetivos meramente materiais (desportivos e financeiros), não aceitam que os seus interesses sejam prejudicados nem que haja algo acima deles, mais importante do que eles. Isso, numa atividade eminentemente coletiva, é perigoso e tem riscos que ainda não estão a ser levados a sério. O coletivo não pode morrer em nome do individual.