Jorge Araújo já era treinador e campeão de basquetebol quando percebeu, cedo, a complexidade do processo de Liderar. Por isso, fundou a TeamWork e desde 2003 dedica-se em exclusivo a ajudar gestores, treinadores e empresas a optimizarem a liderança e a lidarem melhor com as pessoas. Também trabalha com clubes e treinadores de futebol, para além de ser escritor e investigador em áreas relacionadas com Neurociências e Filosofia. Nesta conversa, entre outras coisas, fala da importância da liderança para os treinadores terem sucesso, chama a atenção para a transcendência da linguagem corporal e para a necessidade de uma liderança adaptável a cada um e à equipa, aponta um caminho para a formação de equipas técnicas mais capazes e completas, e alerta para a gestão de equipas e para o enquadramento que o treinador deve ter dentro da organização de um clube.
Entrevista completa disponível no canal do Youtube.
O que é liderar?
Para acertar em cheio na definição pretendida, diria que liderar é inspirar e mobilizar. Gerou-se ao longo do tempo alguma confusão entre o que é liderar e o que é gerir. Ou seja, quando um treinador dá uma valência muito forte a tudo o que é processual, ele está muito centrado na gestão operacional da equipa, mas aqui falta o elo decisivo que inspira e mobiliza a motivação, que é a liderança. O salto qualitativo, para quem quer aprofundar a questão da liderança, é chegar a este ponto, que é, para liderar tenho que ser inspiracional porque estou a dirigir-me a pessoas. Se quero gerir, estou a gerir os recursos, os meios que tenho, o contexto em que estou, mas se quero liderar tenho que ser inspiracional. Liderar é inspirar e mobilizar a motivação, a que depois se junta a outro aspeto que é o facto de que uma equipa ou uma organização é um conjunto de pessoas que se relacionam entre si ao serviço de objetivos comuns, que é uma tarefa dificílima. Quando queremos liderar, temos que ser capazes de inspirar e mobilizar os outros, o que significa conseguir que os outros ponham ao serviço dos objetivos comuns as suas ambições individuais. E isto é muito difícil.
E também temos que inserir aí os contextos, social e desportivo, que são cada vez mais complexos. Liderar é mais difícil e será cada vez mais difícil?
Não diria que agora é mais difícil liderar do que antes, porque agora, tal como antes, estamos perante pessoas e houve quem conseguisse ser inspirador e mobilizador e houve quem não o conseguisse. Mas o contexto atual torna mais difícil liderar porque uma coisa é eu inspirar e mobilizar em presença pessoal, outra coisa é fazer isso à distância, algo que se torna cada vez mais necessário fazer. Portanto, acompanhar, observar e dar feedback à distância torna-se mais difícil… Quando o faço presencialmente tenho um impacto emocional diferente do que se estiver à distância.
Podem haver vários tipos de líderes ou os bons líderes, mesmo sendo diferentes, têm sempre características comuns?
Esse é outro salto qualitativo que a abordagem da liderança deu, quer no âmbito da neurociência quer no âmbito da filosofia. Porque, sendo verdade que quem lidera tem, ou não, a capacidade de influenciar e persuadir, também é verdade que o impacto que eu consigo ter nas pessoas só existe se eu conseguir dar às pessoas o que elas precisam em cada momento, individual e coletivamente. E isto vai bater nos estilos de liderança. De todos os investigadores que estudaram a liderança, um dos mais conhecidos, que é a base com que eu trabalho, o Daniel Goleman, fala de seis estilos de liderança e nenhum de nós tem como estilos dominantes os seis. Então, é fácil de perceber mais um desafio. Se, de repente, as pessoas com quem estou a trabalhar precisam que eu tenha um comportamento com elas referente a um estilo com o qual eu não me sinto confortável e eu digo ‘não, eu tenho este estilo, continuo sempre a utilizar o mesmo estilo’, eu não vou conseguir mobilizar as pessoas. As características que os líderes podem ter são as mais variadas, mas o problema de quem lidera é que tem que descobrir quais são os estilos com que está menos confortável e tem que os treinar porque num determinado momento aqueles com quem está a trabalhar vão precisar que ele faça uma coisa com que não está confortável e se não o fizer não vai conseguir mobilizá-los. O líder é que tem que se adaptar para conseguir dar às pessoas o que elas precisam em cada momento.
A linguagem corporal é mais importante do que a linguagem verbal?
Muito mais. Num estudo de 1950, um psicólogo norte-americano, MacGregor, chegou à conclusão – e na altura foi um escândalo – que 55% do impacto da nossa comunicação é corpo e gestos, 38% é tom de voz e 7% é conteúdo. Qualquer que seja o tipo de comunicação, o que tem impacto emocional nos outros é a expressão, os olhos, a cara, os gestos, a utilização das mãos e como se posiciona o corpo. Por exemplo: um treinador que chega para um momento em que pretende mostrar que não está nada satisfeito, mas que aparece sorridente e relaxado quando devia ter uma expressão corporal e facial completamente opostas às que está a utilizar, o efeito emocional é desastroso, porque está a tentar chamar a atenção e todo o teu corpo transmite o contrário. Isto é de uma importância transcendente na relação de quem trabalha com pessoas.
A capacidade de liderança já é tão ou mais importante do que o conhecimento técnico e tático da modalidade?
Uma coisa não pode anular a outra, mas há algo que o treinador tem que perceber: sempre que aumenta o contexto emocional, sempre que a pressão, a exigência e o rigor se tornam muito condicionantes, as emoções com quem está a trabalhar estão muito sensíveis. E se ele não tem a atuação condizente com essa sensibilidade, não consegue dar às pessoas o que elas precisam… Se observas uma equipa ou uma pessoa e percebes que a última coisa que precisam é que desates aos gritos e a chateá-los porque já estão completamente no buraco, o que se deve fazer é, de uma forma mais relacional e mais compreensiva, aproximar-se deles e conseguir alguma influência.
Cada vez mais, na alta-competição, as equipas técnicas são mais alargadas e têm mais gente especializada. Isto pode levar a que os treinadores no futuro venham de outras áreas, como a psicologia, as neurociências ou a liderança?
De alguma maneira, isso vai acontecer. Aliás, há 30 ou 40 anos, emergiu no futebol, e também um pouco no basquetebol europeu, norte-americano e, nomeadamente soviético, o aparecimento dos psicólogos junto dos treinadores, a questão foi que eles não perceberam qual era a função deles, armaram-se em líderes da equipa e começaram a fazer intervenções diretas com os jogadores. A partir daí, os treinadores passaram a ver nos psicólogos um elemento perturbador, mas os treinadores, quando compõem uma equipa técnica, têm que ter uma preocupação central, que é que o todo seja complementar do que são os pontos fracos dele. Ou seja, a mais-valia que eu tenho é ter treinadores (adjuntos) que em determinadas áreas são melhores do que eu, mais experientes ou mais sabedores. Mas há um trabalho no futebol que é decisivo e que é a pessoa da equipa técnica, ou que acompanha treinos e jogos, e que o vê atuar (o treinador) do ponto de vista da liderança e que o questiona. O treinador precisa de ter ao lado alguém que, observando a forma como ele atua, lhe pergunte ‘qual é o objetivo desta tua atitude?’. Quem está de fora percebe melhor os teus comportamentos do que tu lá dentro.
Mas isso não lhe vai tirar naturalidade e personalidade?
O que é que interessa a personalidade que eu tenho se, em determinadas alturas, está a ter um efeito desastroso nos jogadores? O que importa é o efeito nos jogadores, não é a tua personalidade. E tens que ter esta perceção. Alguma parte da tua personalidade não tem efeito nos jogadores.
Normalmente, associa-se a liderança ao treinador, mas num clube são precisos outros líderes, nomeadamente nos cargos diretivos. Vê nos dirigentes essa capacidade para serem bons líderes?
Não, não vejo. Mas acho isso natural porque, que eu saiba, nunca nenhum deles teve o mínimo de preparação para desempenhar essa tarefa. Temos um desporto profissional em Portugal, de uma extrema exigência na formação de treinadores e de jogadores, mas de uma lassidão completa no que respeita aos dirigentes. E lá vamos nós outra vez: os dirigentes misturam-se com a equipa, logo não podem ter só responsabilidades de gestão. Ora, quando tens presidentes que se misturam com a equipa e com o treinador, há uma coisa que não pode ser ignorada: é que o líder daquela equipa é o treinador. Então se ele (o presidente) quer misturar-se com a equipa, ele é um complemento do treinador. O problema é que quando ele intervém depois de uma derrota, por exemplo, ele está a sobrepor-se ao treinador e o treinador nunca mais recupera a autoridade que perdeu por causa dessa atitude do presidente. No desporto profissional, o treinador é o CEO e o presidente do clube é o presidente do Conselho de Administração. Normalmente, o problema não são os cargos e as funções, o problema são as pessoas e a confusão à volta do que são os seus cargos. No desporto profissional, estás rodeado de gente (os dirigentes) que nunca ninguém os sentou para falar das responsabilidades deles, principalmente na área relacional, que é onde as coisas se complicam, pela maneira como se comportam em determinadas situações.
O que é que um treinador deve fazer e deve estudar para ser um bom líder?
Acima de tudo, deve praticar. Sem experiência, dificilmente vai conseguir chegar lá. É fundamental ter formação académica, mas também é fundamental perceber que não é por ter essa formação que está pronto. Com formação académica tem conhecimento, mas enquanto não tem experiência não tem sabedoria. E a sabedoria é que faz a diferença. Tem que trabalhar, tem que experimentar. Tem que ter à volta dele quem o questione, que lhe dê ‘feedback’. E o terceiro grande ponto é perceber que tudo decorre da forma como comunica, se é ou não emocionalmente convincente é decisivo para a vida do treinador. A tua preocupação tem que ser o que é que mexe com os jogadores, o que é que é bom para eles. O que interessa uma sessão de vídeo, se 70% deles estão a dormir?