Existe uma particularidade tão interessante quanto poderosa, decisiva, paradoxal até certo ponto e, aparentemente, irredutível em todas as atividades competitivas, desportivas ou não: o sucesso e o insucesso não depende somente de quem ganha ou perde. E, no entanto, a regra é decidir como se o contrário é que fosse verdade. Se ganhamos é porque fazemos as coisas bem e merecemos; se perdemos é porque fazemos as coisas mal. Mas no futebol, por exemplo, é possível jogar bem e perder porque pode haver quem jogue melhor do que nós e é possível jogar mal e ganhar porque haverá quem jogue ainda pior.
Esta é a realidade e o que ela nos diz é que a concretização, ou não, de objetivos também está em mãos alheias e dependente do que os outros fazem e de acontecimentos incontroláveis e de acasos. E, geralmente, os objetivos que os clubes e as equipas estipulam (ser campeão, ir às competições europeias, não descer de divisão ou subir) e aos quais se agarram para definir caminhos, traçar planos e tomar decisões resumem-se precisamente a estes, aos que também dependem dos outros e não apenas e exclusivamente daquilo que cada um faz.
Claro que, como em qualquer contexto em que haja competição, a meta é superar a concorrência. Logo, não há qualquer mal e nem sequer é incompreensível que estes objetivos existam. Longe disso. O problema, grave e muito limitador, surge quando esses ditam tudo o que acontece, para o bem e para o mal (normalmente para o mal), e são a única causa e justificação para fazer, ou deixar de fazer, alterações e mudanças de rumos.
Vejamos: ao mesmo tempo que é um objetivo claro, ser campeão (por exemplo) também é um objetivo com uma certa subjetividade associada. Porque o que a sua concretização diz é que se foi melhor do que a concorrência (embora, não esqueçamos, a classificação também pode mentir), mas isso não quer dizer automaticamente que essa equipa campeã jogou bem, melhorou, cresceu e se tornou mais forte do que era. Neste caso, ser campeão significa ‘apenas’ que se foi melhor do que os outros. Mas, e se os outros tiverem feito tudo mal?
Podemos dizer que alcançar metas objetivas depende de três fatores: o que fazemos + o que os outros fazem + fatores aleatórios (sorte). Depois, claro, podemos discutir de qual desses fatores depende mais o (in)sucesso, algo que, obviamente, não pode ser minimizado, caso contrário poderíamos não fazer nada e esperar que a sorte e a incapacidade dos nossos adversários conspirassem a nosso favor. A questão, contudo, é que ganhar e perder não depende só de nós, por muito bons ou muito maus que sejamos. E isso é demasiado importante para se ignorar.
O que acontece com frequência, no entanto, é que não importa se somos bons ou maus, se melhoramos ou pioramos, desde que os objetivos sejam alcançados. O enviesamento amostral (a diferença entre o valor esperado do estimador e o verdadeiro valor do parâmetro a estimar) está bem presente, enraizado até, e raros são os clubes que fogem ao paradigma.
É fácil, e também conveniente e superficial, agarrarmo-nos ao que é factual, objetivo e visto por todos (desde logo, não são necessárias grandes explicações para justificar decisões), mas também é perigoso. No futebol, os factos (os resultados) e o que é visto e percebido por todos (ganhar ou perder), normalmente, esconde o mais importante.
Os clubes não devem (não podem) ignorar que estão numa competição, mas faz sentido que parem para pensar sobre se ter como objetivos maiores algo que não está exclusivamente ligado ao que fazem é o melhor caminho para evitar erros de julgamento, falhas de planeamento e decisões erradas. É preciso refletir sobre qual o melhor caminho e que objetivos são os indicados para se fortalecerem, melhorarem e crescerem.
O filósofo Michael Sandel defende que, hoje, vivemos na ‘Tirania da Meritocracia’, uma altura em que se simplifica demasiado o sucesso e, consequentemente, o insucesso. A ideia vigente é que se temos sucesso é porque trabalhamos para isso e merecemos, se não temos sucesso é porque não trabalhamos o suficiente e fomos castigados, ignorando-se contextos e circunstâncias quase sempre decisivas para explicar o sucesso e o insucesso. (O livro ‘Outliers’ explica bem essa relação.) Esta tirania, claro, estende-se ao futebol, onde se simplifica demasiado o que é complexo.
A propósito de tudo isto, vale a pena olhar para o exemplo de dois dos clubes que mais impacto tiveram nos últimos anos e perceber como eles reverteram e repensaram os objetivos, ‘escondendo’ a ambição de superar os adversários em metas que não dependiam de outrem para serem alcançadas. O Brentford subiu à Premier League, mas “no plano não havia nada definido como alcançar a promoção. O objetivo era simples: melhoria”. Já o Bodo Glimt foi campeão norueguês pela primeira vez sem alguma vez assumir abertamente essa meta. “We did not have any ambitions, we just wanted to focus on performance”.
Existem dois tipos de objetivos: os que dependem de nós e os que não dependem (só) de nós. O Brentford e o Bodo Glimt interessam-se muito mais pelos do primeiro tipo, enquanto a maioria dos clubes e dos dirigentes continuam a sustentar as decisões com base no segundo tipo.