Feedback: como, quando e Quanto

15 de Outubro, 2020 - 4 mins de leitura

E se um treinador que passe o jogo sentado no banco, praticamente sem falar, tiver tanta influência como outro que esteja em pé, a andar de um lado para o outro, a dar indicações constantemente? Mais: e se esse que está sentado, calado e aparentemente desligado do que se está a passar tiver mais impacto positivo do que o outro no rendimento dos atletas e das equipas?

A comunicação tem muito que se lhe diga. Está longe de ser só o que se diz. Também é como se diz, os momentos em que se diz e para quem. Já refleti sobre isso (aqui e aqui), mas desta vez foi outra coisa que me fez pensar: o que é que aqueles que ouvem e vêem são capazes de assimilar, perceber e decorar para depois aplicarem essa informação? Afinal, o grande objetivo quando se comunica é que a mensagem chegue ao recetor de maneira eficaz, isto é, que ajude, que seja uma mais-valia e realmente diferenciadora.

Esta semana, um tweet de Doug Lemov, escritor, professor e investigador na áreas do ensino e da liderança, remete-nos precisamente para isto. Diz ele que “os treinadores dão muito mais feedback aos atletas do que aquilo que eles conseguem processar”. A base que sustenta esta convicção reside na Memória de Trabalho, termo que vale a pena aprofundar e ter bem presente quando se quer corrigir, ordenar, ensinar, treinar, alertar.

Ora, a Memória de Trabalho é o que “permite o armazenamento temporário de informação com capacidade limitada” e essa informação é mantida apenas enquanto for útil. “Chama-se memória de trabalho à atividade de armazenamento e de utilização de informação ligada especificamente à realização de uma tarefa”, para além de que “qualquer informação que tenha estado na memória a curto prazo e que se perca, estará perdida para sempre”. E a Memória de Trabalho é limitada. Muito limitada. Doug Lemov, por exemplo, defende que ela “rapidamente fica cheia”. No mesmo sentido, num dos comentários ao tweet em questão, alguém recordou um “professor que aprendeu, tardiamente, que os alunos apenas são capazes de absorver uma ou duas ideias por aula”. Há quem defenda que a Memória de Trabalho tem capacidade para mais, mas nunca para muito mais.

Então, e tendo tudo isto em mente, de que maneira é que os treinadores podem ajudar os atletas através da informação que transmitem? Voltando ao princípio: que treinador terá mais impacto, o que está sempre sentado ou o que está sempre a dar instruções?

Não sei, acho que é impossível saber. Se calhar, nenhum do dois e talvez a resposta ande no meio dessas duas formas de estar e de agir. Mas o que vale a pena refletir, do ponto de vista do treinador, do líder, do gestor, etc, é que tudo aquilo que se diz deve ser muito bem pensado, nas diferentes dimensões das quais depende o impacto do que se transmite. Como se diz e quando se diz é tão importante como a quantidade de coisas que se dizem.

Gil Sousa, treinador, escritor e professor, deu a conhecer um estudo (no programa ‘Minha Casa, Tua Casa’, disponível no Youtube) cuja conclusão é que, em treino, os treinadores mais experientes, normalmente, só dão instruções e feedback após a ação (por exemplo, num exercício de finalização, depois do jogador finalizar e não antes), de forma a não condicionar o que o jogador fará. Já Matias Manna, autor do ‘Paradigma Guardiola’, ex-adjunto de Marcelo Bielsa e Jorge Sampaoli, recorreu à sua atividade como professor universitário, para, num trabalho do ‘Planetfootball’, defender que “a pior coisa que pode acontecer numa aula é o professor falar demais”.

Portanto, falar demais ou falar de menos?

Daquilo que vejo, considero que, se não falam de mais, os treinadores dizem muitas coisas dispensáveis. Até que ponto faz sentido chamar a atenção de um jogador por causa de um mau passe? O jogador, por ele mesmo, é incapaz de se aperceber de que passou mal a bola, que fez um mau cruzamento ou um mau remate? Então, até que ponto essa informação é importante para ajudar? Na maior parte das vezes, o atleta não saberá que errou? Quantas vezes, os treinadores não dizem coisas que os atletas já se aperceberam, enchendo assim, a Memória de Trabalho com informação dispensável e irrelevante e diminuindo o espaço vazio para informação realmente valiosa? E quantas vezes querem ensinar, corrigir e transmitir coisas e mais coisas, acabando, no fundo, por tudo se perder e nada ser apreendido?

Apesar da toda sustentação científica que explica a Memória de Trabalho, saber o impacto que um treinador tem através da comunicação é muito complicado. Mas vale a pena pensar nisto: o treinador que não diz nada e está sossegado no banco também pode ter impacto positivo no rendimento dos atletas e das equipas porque, simplesmente, não diz coisas que não devia dizer.

Vasco Samouco