“Quem estará nas trincheiras ao teu lado? ‐ E isso importa? ‐ Mais do que a própria guerra”, Ernest Hemingway
O processo de recrutamento, seja de jogadores, treinadores ou dirigentes, deve ser o mais complexo e aprofundado possível. Ou seja, deve ir muito para lá da análise técnica mais pura – e superficial e insuficiente quando feita isoladamente – e abranger a pessoa além das funções que vai ocupar e das qualidades necessárias para as desempenhar da melhor maneira. Muito do que acontece nas equipas não depende das características específicas para os cargos, mas das personalidades de quem ocupa esses mesmos cargos.
Contar com boas pessoas é, cada vez mais, visto pelos especialistas em psicologia organizacional e comportamental como essencial para determinar e/ou explicar o sucesso, ou não, das organizações. Porque as boas pessoas, tendencialmente, pensam, dizem e fazem coisas com melhores intenções do que as más. São mais altruístas, mais amigáveis, mais respeitadoras, moralmente mais evoluídas. E isso, numa estrutura coletiva, em que todos dependem de todos para os objetivos serem alcançados, é essencial. A importância do indivíduo, contudo, supera o ser bom ou mau, na medida em que os indivíduos reagem sempre ao que se passa com eles e à volta deles. Vemos isto todos os dias, em diversos contextos: cada pessoa é várias pessoas conforme as situações.
Entre as poucas certezas que rondam o futebol, existe uma: as adversidades (maus resultados, por exemplo) são inevitáveis. Então se vão acontecer, mais tarde ou mais cedo, não podem ser surpreendentes e apanhar desprevenido quem sofre com isso: estar preparado para elas é, ou devia ser, tão básico como fundamental. Só assim é possível reagir com racionalidade e lógica, e evitar que os impulsos e a emocionalidade (sintomas da falta de preparação) influenciem as decisões, as ações e os comportamentos que ditarão o fim ou o agravamento dos momentos difíceis.
Por um lado, é possível antecipar crises (maus resultados, conflitos internos, etc) e assim estar-se mais capacitado para as resolver. Por outro lado, é possível evitá-las, prevendo acontecimentos, reações ou decisões que as informações à disposição previam. Seja qual for o caso, uma coisa é certa: essas crises evitam-se, resolvem-se e ultrapassam-se por causa das qualidades e das virtudes humanas envolvidas nesses mesmos contextos.
Se uma das poucas certezas do futebol é que as crises, os maus resultados e as derrotas são inevitáveis, convém estar-se humanamente preparado para elas. Ou seja: é decisivo ter as pessoas certas, com as qualidades e as personalidades adequadas para responder a esses momentos adversos, tendo também em conta que essas adversidades podem ser coletivas, mas também individuais. Como reage um treinador após maus resultados, interna e externamente? Como reage um jogador se for suplente, ficar de fora dos convocados ou fizer duas más exibições seguidas? E os dirigentes, o que fazem nos momentos de aperto, como se comportam, o que dizem, que atitudes têm e que influência – negativa ou positiva – exercem?
É quase inconsciente, mas as escolhas fazem-se a pensar positivo, nos melhores cenários, nos bons resultados, na concretização de objetivos. (Quando compramos alguma coisa, é a pensar no bem que essa coisa nos vai fazer e não porque tem defeitos, certo?) Isso faz com que as escolhas, as contratações, sejam feitas a olhar muito para as qualidades e a minimizar, dentro do possível, os defeitos. Os defeitos, no entanto, podem ser mais poderosos e decisivos do que as qualidades. É também assim quando se escolhem jogadores, treinadores e dirigentes para reforçar e melhorar os clubes e as equipas. Ver e analisar as qualidades é tão importante como ver e analisar os defeitos.
Escolher as pessoas certas também passa por pensar no pior e perspetivar o que elas farão nesses casos. E superar períodos negativos não depende tanto do treinador, dos jogadores e dos dirigentes, mas sim das pessoas que esses treinadores, jogadores e dirigentes são. Por isso é que a frase do escritor Ernest Hemingway devia estar presente em qualquer mesa de definição de objetivos, de contratações, de escolhas e de caminhos a tomar. Porque, tal como escreve Nassim Nicholas Taleb no livro ‘Arriscar A Pele’, “um país não deve tolerar os amigos com quem não se conta nos maus momentos”.
Harmonia é uma palavra pouco usada no futebol, mas ela é determinante para ter sucesso e comum a todos as boas equipas. Há harmonia quando várias pessoas, com diferentes objetivos e personalidades, se unem a um sentido coletivo definido e explicado por qualidades e formas de estar e de pensar comuns a todos os membros da equipa. Há harmonia quando várias pessoas pensam o mesmo, fazem o mesmo e respondem da mesma maneira a situações diferentes. Harmonia é, portanto, o que evita e resolve as crises.