Ligado ao Leicester City FC, clube da Premier League, como treinador de equipas de sub-9, Hugo Rodrigues também conta com passagens pela academia do Sporting e por academias pertencentes ao Tottenham, nos Estados Unidos, sempre em escalões etários mais baixos, juntando, assim, “duas paixões”: “a pedagogia, da qual ainda se fala pouco, e o futebol”. Lida com rapazes e raparigas, assumindo que “trabalhar com elas é mais desafiante”. Foi ex-guarda-redes de futebol, tem licenciatura e mestrado em Ciências da Educação.
Nesta conversa, são abordados temas relacionados com:
- estratégias, contextos e comportamentos ideais para promover o desenvolvimento da criança;
- a necessidade de olhar para as crianças holisticamente e educá-las/trabalhá-las dessa forma;
- a importância de inspirar e de ser um exemplo, para além de outras qualidades decisivas para ser um bom treinador de crianças;
- as diferenças entre rapazes e raparigas e as mudanças que obrigam nas formas de estar de quem lidera;
- o papel dos pais;
- a desigualdade estrutural que prejudica as mulheres e como elas podem melhorar o futebol;
“A formação dos treinadores foca-se muito nos aspetos técnicos, táticos, sociais e psicológicos - gestão e liderança agora -, mas fala-se pouco nas questões pedagógicas”.
A entrevista completa está disponível no YouTube e também pode ser ouvida através do podcast ‘Efeito BorboletRa’.
Abaixo, seguem algumas passagens da conversa.
“Aqui (Inglaterra), encaram muito estas fases (foundation fase/pre-academy) como sendo diversão. As últimas perguntas têm que ser sempre: Divertiste-te? O que é que aprendeste? (…) No meu processo de recrutamento fizeram-me muitas perguntas que não estava à espera, relacionadas com temas como igualdade de género, inclusão e prevenção de abusos, tanto físicos, como psicológicos ou sexuais. Também quiseram perceber como é que resolvo conflitos entre crianças. Do ponto de vista mais técnico, a relação com bola, a coordenação, as relações bola/corpo e bola/colegas são aspetos a que se dão importância nestas idades”.
“Em todas as minhas interações com as crianças, não há castigo, há interação pela positiva”.
“A comunicação verbal e não-verbal, a forma como comunicamos com os miúdos faz toda a diferença. Temos que ser exemplos, temos que ser nós a dar o mote. E temos que ser divertidos. Podemos ter tido o pior dia da nossa vida, mas temos que ter sempre um sorriso, um abraço, e contribuir para a existência de um ambiente positivo, criando uma atmosfera positiva. Os miúdos têm que se sentir confortáveis, seguros, e perceber que nós estamos lá para eles (…) Inspirar é a palavra mais importante, eu tenho que inspirar estas crianças”.
“Faz todo o sentido a abordagem ser centrada no jogador e no desenvolvimento pessoal de cada criança. Isso também faz com que os treinadores percebam que o importante não são os resultados nem a performance coletiva, mas sim a individualidade, dividida em quatro vertentes: técnico, físico, tático e sociológico/psicológico. Os treinadores também têm que perceber que são muito mais do que treinadores; são professores, formadores. No fundo, são pessoas com uma importância muito importante no dia-a-dia das crianças. Às vezes, um pai diz a um filho para fazer os trabalhos de casa e ele não faz; mas se for o treinador a dizer que têm que os fazer porque isso vai fazer deles os melhores jogadores do Mundo, a reação já vai ser ‘calma, foi o mister que disse’”.
“Quantas mais modalidades experimentarem e mais experiências vivenciarem, melhor será o desenvolvimento das crianças. Em termos de coordenação motora, por exemplo, que é um dos pilares no desenvolvimento (físico), faz todo o sentido praticar outros desportos porque vão ter outros estímulos corporais. Há várias vertentes fisiológicas importantes para o futebol que serão muito bem trabalhadas noutras modalidades”.
“Quando se trabalha com raparigas/mulheres, é preciso ter extremamente cuidado com a linguagem que se usa. Enquanto os rapazes vão e fazem sem questionar a ordem, as raparigas não. Elas perguntam porquê, logo tens que estar preparado para saber explicar e para saber motivá-las a fazer uma determinada tarefa (…) Para mim, é mais desafiante estar com as miúdas porque elas perguntam sempre porquê. Parece-me que há uma maturação emocional superior nas raparigas”.
“Sempre comecei a minha relação com os pais com algum distanciamento, de forma a estabelecer limites, e a partir daí começar a aproximação. Há que ter a noção que os pais são fundamentais porque há tantos fatores relacionados com o bem-estar das crianças que é importante nós (treinadores) sabermos. Já me aconteceu ter uma jogadora com ataques de pânico e eu não consegui ver isso… Temos que pensar nos pais como aliados e não como inimigos. E também temos que educar os pais pela positiva, incorporá-los no processo e fazê-los perceber que o papel deles não é ignorado, mas valorizado, e que devemos trabalhar em conjunto”.
“Acho que as mulheres têm muito a acrescentar ao futebol, mas também há uma desigualdade estrutural muito grande que é preciso combater: basta ver a quantidade de homens que trabalha no futebol feminino e a quantidade de mulheres que está no futebol masculino. É importante dar-lhes voz, ouvi-las. Há vários obstáculos para elas que nós, homens, nem nos apercebemos. Temos que providenciar não a igualdade mas a equidade. Ter uma perspetiva feminina sobre várias coisas que acontecem no futebol é urgente e necessário porque elas vêem coisas que eu não vejo e obrigam-nos a pensar em coisas que nunca pensámos antes”.