Entrevista #14: Luís Campos | Scouting do futuro, escolher o treinador certo e procurar conhecimento fora do futebol

25 de Novembro, 2021 - 4 mins de leitura

Luís Campos quase dispensa apresentações. É considerado um dos melhores diretores desportivos do Mundo, foi o mentor dos projetos que levaram o Mónaco e o Lille a serem campeões de França frente ao poderoso Paris Saint-Germain. Mas é, acima de tudo, um pensador, um inconformado e um visionário, que está a aproveitar um período sabático para “descobrir coisas fantásticas” e “estar um passo à frente”.

Nesta conversa, Luís Campos explica a complexidade do “modelo de jogo e da forma de jogar”, dá pistas decisivas sobre como iniciar projetos e construir boas equipas, prevê o futuro do scouting e como essa evolução vai exigir mais dos scouts, realça a importância dos avanços tecnológicos, fala de mercados inexplorados e sobre-explorados, destaca o potencial africano, elogia os bons exemplos nórdicos, alerta para a importância do perfil psicológico dos jogadores e não só, defende a aposta em especialistas e a importância de outras ciências para o futebol, e aponta passos para escolher o treinador certo.

“Um diretor desportivo tem que coordenar uma série de equipas que estão à volta da equipa de futebol e tem que fazer com que aquilo tudo funcione. É algo dinâmico e vivo (…) O trabalho em equipa, o sentido coletivo, existe cada vez menos, mas é muito importante fazer sentir que todos são importantes. Eu lembro-me sempre da importância que, quer no Mónaco quer no Lille, tinham os motoristas da equipa. O roupeiro, por exemplo, percebia o modelo de jogo… É preciso uma enorme força coletiva para colocar um modelo de jogo e uma forma de jogar a funcionar”.

A entrevista completa está disponível no YouTube e também pode ser ouvida através do podcast ‘Efeito BorboletRa’.

Abaixo, deixo algumas passagens da conversa.


O IMPACTO TECNOLÓGICO

“Nunca pensamos que a tecnologia fosse ter uma influência tão grande sobre o comportamento humano, que, por exemplo, põe em causa aquilo que era a liderança: os líderes de hoje têm que ser completamente diferente dos líderes do passado porque os jovens de hoje são completamente diferentes, exigem outras coisas, outras explicações e novas formas de comunicar”.

POR ONDE COMEÇAR PROJETOS

“É fundamental estudar o país onde estamos, a cultura que existe, social e futebolística, porque existem futebóis diferentes: jogar em Espanha é completamente diferente de jogar em França. É preciso conhecer a realidade dos clubes, a cidade, as pessoas, os adeptos, é importante ouvir ex-jogadores e ex-treinadores. É necessário absorver muita informação para se criar um primeiro esboço do projeto. Sem isso, acredito que não estamos a ir na direção certa. Temos que respeitar o que já existe, perceber o que tem de melhor e perceber como o podemos potenciar, juntando, pouco a pouco, as nossas ideias”.

O MODELO DE JOGO FORA DO CAMPO

“Para mim, modelo de jogo é algo muito largo, não se vê só no campo, mas também fora dele, como a exigência no dia-a-dia, o cumprir regras, o perceber que 8h01 não é o mesmo que 8 horas, que se o treino está marcado para as 9h30 então começa mesmo às 9h30… Tudo isto entra naquilo que será a forma de jogar da equipa. Se não houver exigência no dia-a-dia, durante a semana, não vai ser o treinador, por gritar e gesticular muito, que vai resolver alguma coisa”.

A IMPORTÂNCIA DAS QUALIDADES HUMANAS

“Procuro especialistas e procuro pelo mundo fora, mas já me aconteceu encontrar o especialista certo e ele depois não ter as qualidades humanas e pessoais que achava necessárias. Eu não consigo contratar ninguém, seja o jogador mais caro do Mundo ou um roupeiro, sem estar com as pessoas e sem perceber ao máximo a personalidade de cada um e, mais importante, sem perceber se essa personalidade consegue encaixar no nosso puzzle (…) O motorista que vai buscar um jogador que chega pela primeira vez à nossa equipa já tem que se conectar com esse jogador”.

O SCOUTING DO FUTURO

“O scouting evoluiu muito e vai continuar a evoluir. Uma das coisas em que é possível melhorar tem a ver com o perfil psicológico dos jogadores, algo que é muito difícil porque envolve várias coisas tão diferentes, como a linguagem corporal ou tudo o que está à volta dele e as pessoas que o rodeiam (…) Outra coisa tem a ver com perceber as outras equipas. Uma das dificuldades dos treinadores prende-se com tentar adivinhar o que o adversário vai fazer. Muitas vezes, chega-se ao jogo e o adversário mudou a equipa toda, a estrutura tática; ou seja, num momento de grande stress o nosso treinador tem que repensar e mudar coisas. Neste momento, estou a trabalhar numa ferramenta que permita ao treinador visualizar rapidamente o que é que aquele adversário, montado daquela determinada forma, pode fazer e que movimentos vão surgir mais vezes”.

ENCONTRAR O TREINADOR CERTO

“Para escolher o Leonardo Jardim para o Mónaco, parti de uma lista de 22 treinadores e comecei a avaliá-los por items. No final disso, já tinha apenas três treinadores. Cada projeto exige um treinador especial, mas o projeto tem que ser sempre do clube e nunca do treinador. O treinador é uma peça fundamental em qualquer clube e é uma área onde é necessário perder imenso tempo para encontrar a peça certa. O que não se pode fazer é trazer um treinador e só depois é que se pensa o projeto”.

Vasco Samouco