Tal como há derrotas que podem ser as mães de muitas vitórias, também há vitórias que podem ser as mães de muitas derrotas. Da mesma maneira que não está tudo mal quando se perde, quase sempre também não está tudo bem quando se ganha. Mas é difícil ter essa noção. E por isso é que ganhar, normalmente, é algo problemático e que requer atenção, até mais do que quando se perde. Quando se ganha, há muito menos predisposição e abertura para aceitar que se errou e falhou, porque o resultado, supostamente, diz o contrário.
Nas derrotas, é fácil descortinar erros, procurar soluções, encontrar falências. O resultado diz-nos que alguma coisa está mal. Nas vitórias, pelo contrário, é difícil. O resultado dá-nos razão, logo a análise está, logo à partida, condicionada. Se ganhámos, é porque fizemos tudo bem, porque tomamos as decisões certas, porque trabalhamos com as pessoas adequadas. Quando se diz que “é mais difícil manter no topo do que lá chegar”, é muito disto que está em causa. É porque a vitória tem o poder de deslumbrar, de enfraquecer, de tirar discernimento, de complicar a tomada de decisão. Às vezes, ganha-se apesar de determinada coisa e não por causa dessa mesma determinada coisa. Outras vezes, também se ganha sem merecer ou porque a sorte está do nosso lado. Mas mesmo que se ganhe merecidamente, cuidado.
Não está sempre tudo bem. Quando se ganha, também há erros, há falhas, há pormenores e situações suscetíveis de serem melhoradas e que se não forem corrigidas podem causar danos significativos no futuro. Só que estão mais escondidos ou não parecem relevantes ou não são vistos como impeditivos de atingir os objetivos. E é precisamente por isto que analisar as vitórias com pinças é tão importante. E decisivo.
Quando se perde, qualquer coisa parece ser o maior dos problemas; quando se ganha, qualquer erro parece insignificante. E, no entanto, nos dois casos é urgente mudar. Para quem ganha, o erro que hoje parece ser mínimo crescerá até se tornar um grande problema. Detetá-lo e resolvê-lo é, por isso, fundamental. E para isso, é fulcral que a vitória não suba à cabeça de quem manda, dirige, treina e toma decisões.
Não são os resultados que devem ser analisados, mas sim o que leva a eles, o que se passou para eles acontecerem e como aconteceram. Como se ganhou? Por que se ganhou? O que esteve menos bem, apesar da vitória? Diria até que mais do que tentar encontrar erros, falhas e possíveis focos de melhoria, é obrigatório procurá-los insistentemente, sistematicamente, sem rodeios e sem medos. Eles estão lá. E por muito pequenos que possam parecer podem fazer grande diferença se corrigidos.
Em equipa que ganha… convém mexer
Uma das frases que melhor resume o poder exagerado, abusivo até, que as vitórias podem ter em qualquer clube/organização é a que diz que “em equipa que ganha não se mexe”, que transmite, lá está, a convicção de que porque se ganhou está tudo bem, não há nada a corrigir, erros a declarar ou falhas no processo. Logo, para continuar a ganhar há que manter tudo como está, usar as mesmas armas, fazer as mesmas coisas, tomar as mesmas decisões.
Não! Às vezes, é preciso mudar para continuar a ganhar. A mesma coisa que serviu para ontem pode não servir para hoje, a tática ou a estratégia que ajudou a ganhar no passado pode não chegar para ganhar no futuro. Há ciclos que se fecham, novas oportunidades que aparecem. Se os adversários também evoluem, ajustam-se, adaptam-se e corrigem erros porque querem ganhar, isso obriga quem ganha a estar sempre alerta e aberto à mudança, à inovação, a outras ideias, sob pena de ser apanhado e ultrapassado.
Ganhar e deixar tudo como está é um convite ao conforto, ao comodismo. É dizer que não há mais por onde crescer, que não é preciso procurar alternativas, continuar a pensar e a trabalhar. É transmitir conformismo e que não queremos continuar a evoluir. É a segurança levada ao extremo. Estímulos novos, objetivos diferentes e outros desafios são maneiras eficazes de provocar mudanças sem agitar as águas em demasia.
Esperar pela derrota para mudar é andar para trás, é perder tempo precioso, oportunidades importantes, é recuar em vez de avançar. É um acidente à espera de acontecer. Mudar, nem que sejam pequenas coisas – em projetos consistentes, é isto que faz sentido –, não é mau. Normalmente é bom, porque qualquer mudança vem sempre associada a momentos de reflexão profunda, à análise cuidada e ao inconformismo de ter sempre margem de melhoria. E as vitórias não devem, nunca, impedir isso.
Um processo de crescimento nunca está acabado. É sempre possível ganhar mais, evoluir mais, aspirar a mais, jogar melhor, fortalecer a(s) equipa(s). E as vitórias, se não forem enquadradas e analisadas convenientemente, podem ser um travão nesse processo.