O psicólogo e economista Daniel Kahneman ganhou um Prémio Nobel de Economia por causa do trabalho desenvolvido com Amos Tversky no qual defendiam (provavam?) que, embora sejam vistas como seres racionais, as pessoas têm comportamentos irracionais a tomar decisões, por serem influenciadas, quase sempre de uma maneira não-consciente, por inúmeros aspetos, experiências e estímulos externos que lhes toldam o discernimento. A racionalidade que temos acaba, deste modo, por ser minimizada pela nossa complexidade emocional, que também está diretamente ligada a tudo o que nos rodeia.
Para explicar o fenómeno, Kahneman e Tversky debruçaram-se sobre a economia, mas estavam, no fundo, a falar de tudo. E do futebol, claro. Quando há potenciais ganhos e potenciais perdas em jogo, o difícil é não ser emocional.
Tomar decisões sustentadas e racionais é um desafio para quem está e vive de uma indústria como o futebol, tão emocional, tão aleatória, tão irregular, tão cheia de ruído exterior e posta à prova a um ritmo diário quase. Hoje, estamos bem; amanhã, não sabemos. E esta instabilidade, provocada maioritariamente pelos resultados (os nossos e os dos outros), tem consequências, normalmente más, no que se diz, no que se pensa e, acima de tudo, no que se faz. Sendo os humanos seres emocionais, o problema ganha contornos determinantes: quem o conseguir resolver ou minimizar, tomará melhores decisões e assim estará mais perto de ter melhores resultados.
Entre os gatilhos emocionais, há três que me parecem mais ou menos evidentes: 1) o que nos acontece; 2) o que acontece aos outros; 3) o que dizem de nós e do que fazemos. Em maior ou menor dimensão, esta trilogia tem um impacto grande no que sentimos e, consequentemente, no que fazemos ou faremos. Se transportarmos isto para o futebol, podemos atribuir o 1) aos resultados, o 2) aos adversários e o 3) aos adeptos. São eles os grandes influenciadores das decisões tomadas por clubes, gestores e treinadores. Erradamente.
Se os adeptos protestam (ou batem palmas), normalmente segue-se a decisão que agrada às massas; se os resultados são maus, dificilmente não têm consequências imediatas; e se os adversários estão a ter êxito, é difícil resistir à tentação de copiá-los ou de tentar apressar o nosso processo. Todos eles, claro, acabam por estar interligados porque umas coisas levam às outras.
O problema é que basear as decisões nestes fatores é responder, quase exclusivamente, aos estímulos emocionais e dar azo à irracionalidade.
Os adeptos (o cliente não tem sempre razão): A maioria dos adeptos quer ganhar sem se importar como nem com o que é feito para esses bons resultados aparecerem. Não tem paciência e, normalmente, ilude-se com os bons resultados e não analisa friamente os maus. Não tem qualquer problema que seja assim, no entanto, a quem decide e define processos exige-se mais do que agir em conformidade com o que pensam e dizem os adeptos e basear decisões, muitas vezes profundas e com impactos desportivos e financeiros, nessa (in)sensibilidade das massas (o livro de Philip Ball, ‘Massa Crítica’, explica muito bem esse fenómeno e o poder que as multidões têm nos comportamentos individuais). A (in)satisfação dos adeptos não deve influenciar quem tem que selar pelo sucesso, a curto, médio e a longo-prazo, dos clubes.
Os resultados (perdemos, mas porquê?): Aceitemos que os resultados são dados exatos e irrefutáveis, só que eles também têm contextos. No futebol, são 90 minutos – ou uma semana de trabalho, se quisermos ser mais exigentes – de contexto. Se é para decidir se um treinador continua, ou não, com base nos resultados, então nem é preciso ver os jogos. Nega-se, assim, o contexto e o processo e age-se tendo em conta o final. Ou seja, esquece-se a razão e deixamo-nos levar pela emoção (o desgosto de perder ou a euforia por ganhar). O porquê de se ganhar ou perder é que deve orientar as decisões e é aí que entra a racionalidade, mesmo que seja limitada. Despedir um treinador por perder é, quase sempre, emocional; despedi-lo devido ao porquê da(s) derrota(s), é racional.
Os adversários (se com eles funciona…): A comparação tem um grande poder emocional. Queremos coisas porque os outros têm, queremos ser como aquele(a), gostávamos de estar de férias naquele sítio, queremos ter o sucesso daquele clube. Se pensarmos bem, no futebol estamos a comparar sistematicamente. Ou formas de jogar, ou jogadores, ou treinadores, ou jogos… E se se vê um clube ou uma equipa a ter bons resultados, também vai emergir, por um lado o impulso de copiar, de tentar fazer igual, esperando os mesmos proveitos, e por outro a urgência de apressar processos e dar passos maiores do que se pode, de maneira a ficar mais perto do nível do rival, esquecendo o caminho definido e que a sua execução deve ter timings e tempos apropriados. O que os outros fazem não é assim tão importante, ao ponto de influenciar o nosso rumo e a nossa vida.
É impossível fazer desaparecer o fator emocional, mas é possível, e urgente, minimizá-lo. Tomar as melhores decisões exige mais razão e menos emoção, pelo que dotar a tomada de decisão de mais racionalidade é vital. O recurso às estatísticas (recolha e, principalmente, análise de dados) é um passo nessa direção. Mas só a perceção de que há demasiada emoção envolvida e com poder de influência nas decisões ajudará a equilibrar esta balança e a decidir com argumentos mais sólidos e construtivos.