“Se uma ideia não é absurda ao princípio, então não vale a pena” – Albert Einstein.
Não devemos chegar ao ponto de confundir adaptação com resignação. Mas a linha que separa uma coisa da outra parece cada vez mais fina. Hoje, a capacidade de adaptação é vista, dita e reiterada como uma grande qualidade. Devemos adaptar-nos ao que existe, ao que está a acontecer e ao que (deduz-se), tendo em conta determinado contexto, vão exigir de nós. Caso contrário, corremos o risco de ficar para trás (faltando clarificar se isso é mesmo negativo: às vezes, talvez não seja).
Se o mundo (e a vida) é cada vez mais tecnológico, então também devemos ser. Se o ritmo de vida é cada mais acelerado, então também nós devemos ser acelerados. Se o mercado de trabalho exige essa polivalência, temos que ser polivalentes. Se o jogo de futebol está cada vez mais físico, então temos de trabalhar mais o físico e formar jogadores físicos. Se a indústria do futebol gasta mais dinheiro (por exemplo), também nós temos que gastar. Se os outros fazem assim, se as coisas acontecem assim, também temos de fazer o mesmo. Temos que nos adaptar. Se nos adaptarmos, talvez tenhamos sucesso, um emprego e bons jogadores. Ou não.
É normal ouvir treinadores dizerem que têm que se adaptar aos jogadores que têm. Faz alguma sentido. Mas calma. Por outro lado, há um senão: se se adaptam ao que já existe, ao que já é bom, às (supostas) melhores qualidades de cada indivíduo, como é possível fazer que os jogadores melhorem? A melhoria não acontece – principalmente – quando se aprendem coisas diferentes, quando se exploram outros caminhos, quando se abrem novas perspetivas? Se um futebolista só usa o pé esquerdo, há que fazê-lo usar também o direito. Adaptação, sim, mas só até certo ponto.
Imaginemos que ao longo dos tempos, todos se adaptavam à realidade. Que todos se adaptavam à vida sem eletricidade, a ver televisão a preto e branco, a viajar em carruagens puxadas a cavalos, a falar para telefones gigantescos. Se assim fosse, o mais provável era vivermos nessas realidades ainda hoje. Claro que nessas alturas (todos) tiveram que se adaptar, que viver com o que havia. Mas no meio da adaptação houve quem não se resignasse. Quem, talvez, não se adaptou assim tão bem, quem acreditou que era possível fazer diferente e que se podia viver melhor.
Também é assim quando falamos de tudo o que diz respeito ao futebol (o jogo, a gestão, a formação). Porque não está tudo inventado, longe disso. Logo, ainda há muito por ver, por explorar e por aproveitar.
Atualmente, por exemplo, em nome da “organização” e do “equilíbrio” que os treinadores tanto falam, os jogadores que não se adaptam a este futebol tendem a perder espaço. Os mais anárquicos, os que arriscam mais, os que provocam desorganização e desequilíbrios ficam para trás. Mas, depois, têm qualidades capazes de desestabilizar essa ordem e de ter impacto positivo nos jogos. Podemos chamar-lhes inadaptados.
E os inadaptados são importantes. São eles, os que têm dificuldades de adaptação (ou não querem adaptar-se), que, se enquadrados num ambiente adequado, questionam a ordem, trazem soluções diferenciadas, fazem coisas inesperadas e não têm medo de arriscar (porque são obrigados a isso para serem levados a sério).
É óbvio que há, sempre e em qualquer circunstância, todo um contexto a respeitar, ajustes e cedências a fazer – tal como não devemos ser radicais na adaptação, também não convém sermos fundamentalistas na inadaptação –, isso não está e nunca poderá estar em questão. Mas deve haver limites.
Não é preciso, ainda assim, levar a célebre frase de Einstein à letra. No entanto, numa época em que se fala tanto da capacidade de adaptação, vale a pena refletir sobre se essa adaptação exigida também não estará a contribuir para travar o crescimento, as inovações e as revoluções. Porque a adaptação também se confunde com resignação e apenas aqueles que não se resignam – os inadaptados – são capazes de fazer a diferença.