Só há pouco tempo comecei a interessar-me e a aprofundar o mundo das estatísticas e dos dados numéricos, os mesmos que, quando bem tratados, resultam em informações preciosas para os clubes. Fui cético, admito, e demorei a dar-lhes o valor merecido, mas já estou convencido da força que têm e das vantagens inerentes para quem os usa adequadamente. Podem ser decisivos, sim. Só que quanto mais estudo, investigo, ouço e reflito sobre isto, mais força ganha na minha cabeça uma pergunta: não estará a ‘big data’ a esgotar-se? Ou, pelo menos, não tenderá a perder influência no futuro?
A ‘big data’ (e a ‘small data’) é o apogeu da revolução tecnológica no futebol. Decide abordagens ao mercado e contratações/vendas – quando vender e quando comprar, por exemplo –, determina estratégias de jogo, escolhe treinadores, é diferenciador na análise aos adversários, ajuda a perceber o que é preciso melhorar (individual e coletivamente), previne lesões, dita estratégias de marketing, etc… Ou seja, a ‘big data’, nomeadamente nos clubes que apostam fortemente nela, tem influência em quase tudo o que diz respeito a uma equipa e a um clube de futebol (isto também é aplicável a clubes de outras modalidades e empresas).
Por outro lado, e arrebatados (finalmente) pelo potencial da ‘data’, são cada vez mais os clubes que apostam nesta ferramenta, que quase lhe entregam o futuro e procuram continuamente melhorá-la e torná-la (ainda) mais decisiva. Ora, isto levanta outra questão importante que é o facto de os clubes do mesmo nível começarem a estar equiparados no que diz respeito à recolha, à análise e ao uso de informações numéricas, o que quer dizer que fazer a diferença por aí também já não é tão provável assim. Ainda que, e é sempre importante ressalvar isto, mais do que os dados em si, é o que se faz com eles que é importante, mas também aí os clubes (acima de tudo, os mais fortes e mais ricos) já se reforçam com mais critério e em várias áreas científicas, com o objetivo claro de garantir esse conhecimento que faz a tal diferença.
Ou seja, também no que se refere à ‘big data’, há a tendência de clubes apostarem no mesmo, fazerem as mesmas coisas, explorarem pormenores idênticos, olharem para números iguais, etc. Começa a ser difícil diferenciarem-se, um problema para o qual até Billy Beane, protagonista do ‘Moneyball’ e um pioneiro no uso da análise estatística no desporto, já alertou.
Embora admita que ter acesso a estatísticas abre um sem fim de possibilidades e até oportunidades, e dê como adquirido que possam haver várias outras coisas que ainda estão por quantificar, encontrar outras áreas onde elas (as estatísticas) possam fazer a diferença é cada vez mais difícil e também começa a não ser fácil perceber como se pode melhorar o que já se faz, ao ponto de essa melhoria ser diferenciadora. Principalmente no futebol.
A complexidade é mais imprevisível
O basquetebol tem uma dinâmica padrão (as equipas atacam e defendem em circunstâncias iguais, marcam pontos mais ou menos das mesmas zonas), o voleibol também, tal como o andebol, o beisebol, o futsal… Os jogos nestas modalidades são quase todos parecidos, têm muitas jogadas iguais, exigem os mesmos comportamentos e, não menos importante, são disputados por poucos jogadores, logo a qualidade individual tem mais relevância. Também são jogos com pontuações/golos mais elevadas em relação ao futebol – não é por acaso que a maioria dos resultados são previsíveis e que as surpresas são raras – e, por isso mesmo, são modalidades mais previsíveis, mais factuais, até mais justas e estatisticamente menos falíveis.
O futebol não. Só é previsível até certo ponto, tem pontuações muito baixas (poucos golos), é um jogo muito mais caótico e dinâmico, pode mudar a qualquer momento (uma expulsão, por exemplo), logo é mais suscetível de ser influenciado por fatores aleatórios; raramente tem jogadas iguais, pode-se marcar golos de várias maneiras e tem mais jogadores envolvidos, e que estão em ação ao mesmo tempo, pelo que o fator humano e emocional está muito mais presente; joga-se num campo maior, as relações (entre membros da mesma equipa e adversários) são muito mais dependentes e incertas. O peso da equipa é maior do que o peso individual. Há poucas certezas, logo os números não têm um peso tão significativo em relação a outras modalidades.
A complexidade do jogo é, portanto, o outro aspeto que me faz prever um futuro menos determinante da ‘big data’ no futebol. Com tanta imprevisibilidade associada, com tanta coisa que pode definir um resultado, é possível fazer com os dados numéricos mais do que já se faz? A questão não é se é possível fazer mais com as estatísticas – quase de certeza que sim –, mas sim se isso, o que eventualmente ainda esteja por explorar, pode ser tão decisivo como aquilo que já se faz, e que é bastante.
A ‘big data’ é o apogeu da revolução tecnológica no futebol, é, possivelmente, o avanço mais revolucionário no futebol nas últimas décadas, permite coisas impensáveis até há pouco tempo, e continuará a ser usada, porque tem mais-valias excelentes. Não sei é se o seu impacto e a sua importância continuarão a ser tão grandes como agora.